Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Mário Magalhães

‘Com dois adjetivos bem sacados, a colunista Eliane Cantanhêde comentou na quinta-feira a ‘Guerra Fria extemporânea e levemente ridícula da América Latina’. Emendei na crítica diária que escrevo sobre o jornal: ‘No jornalismo das Américas, o tom de Guerra Fria não é levemente ridículo, e sim absolutamente ridículo’.

A crise sul-americana, aberta com a invasão do território equatoriano por militares colombianos para matar militantes das Farc, expôs partidarismo jornalístico cuja sobrevida o bom senso condena.

A Folha não me pareceu superior na cobertura exclusivamente por deslocar mais repórteres, quatro, aos países que concentram o conflito -a Venezuela é o terceiro-, mas porque sua abordagem foi mais plural, tanto no noticiário como nas visões divergentes de colunistas e articulistas.

Com pensamento único, perdem os leitores, que têm mais elementos para formar juízo se conhecem versões e opiniões que se opõem.

Não que o jornal não erre. Nos últimos meses, acumularam-se referências na imprensa mundial, a Folha incluída, à ‘escalada armamentista’ da Venezuela.

Agora, descubro que as tropas e os equipamentos militares de Hugo Chávez nem de longe se assemelham aos de Álvaro Uribe. Há lógica: a Colômbia combate organizações armadas em seu território. Mas, antes da crise, a impressão era que, no fogo, ninguém podia com os venezuelanos.

A Folha titulou ‘Chávez agora diz querer ‘paz verdadeira’’. Por que agora? Antes queria uma paz falsa? Não entendi. O bom trabalho dos enviados não ocultou deficiência: nos primeiros dias, não se mostrou em Bogotá a rejeição da esmagadora maioria do povo às Farc, dos mais direitistas aos mais esquerdistas.

Não é à toa: como simpatizar com um grupo que seqüestra bebês, em crime idêntico ao cometido pela última ditadura militar argentina?’

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‘A imprensa deslumbrada’, copyright Folha de S. Paulo, 9/3/08

‘Confidencio, logo de cara, que não resisto a informações sobre máquinas de café expresso: leio como funcionam, esmiúço suas propriedades, comparo preços e me deleito com designs.

Jamais me disporei a pagar as fortunas que se cobram pelos produtos importados, nem mesmo pelos inigualáveis ‘made in Italia’. Salivo, entretanto, só de pensar em tomar uma xícara abastecida naquelas engenhocas.

Jornalismo de serviço é assim: ajuda quem precisa escolher e informa quem não quer ou não pode comprar. Nos serviços sobre consumo de elite, há curiosidade suplementar: compõe-se a crônica sobre uma parcela dos brasileiros. Em reportagem de comportamento, mais interesse: conta-se a um público amplo como vive a minoria felizarda.

Um jornal como a Folha deve olhar o país inteiro. Como no domingo: a primeira página que noticiou a doença pulmonar, comum na Revolução Industrial, que atinge garimpeiros no Sul estampou igualmente uma reportagem da Revista, ‘Mapa do luxo’.

O título não exagerava: descrevia-se a ‘chegada de um novo shopping que deve acirrar a disputa por clientes dispostos a pagar R$ 30 mil por uma bolsa’. Tema oportuno.

Já na abertura, ao apresentar uma ‘típica consumidora que faz a pujança do comércio de luxo’, assinalou-se: ‘[Ela] é bem informada, dona de um gosto exigente e -como qualquer ser humano- também compra por impulso’.

Acredito em tudo. Mas nem toda a gente ‘compra por impulso’. É difícil imaginar famélicos a pagar por um quilo de arroz movidos por ‘impulso’. Só se for o impulso da fome. E muitos não miseráveis e não impulsivos compram somente por necessidade.

Uma armadilha desse tipo de reportagem é achar que um mundinho é o mundo. Sugere-se um certo bovarismo jornalístico: imaginar que a vida de todos é igual à de alguns.’

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‘Jornalismo vendeu ilusão sobre CPMF’, copyright Folha de S. Paulo, 9/3/08

‘No mesmo dia 27 de fevereiro da manchete ‘Sem CPMF, arrecadação sobe R$ 9,6 bi’, a Folha advertiu: ‘Começam a surgir sinais enfáticos de que o governo Lula iludiu a opinião pública no debate acerca da renovação da CPMF’.

Minha impressão foi que a Folha e parcela expressiva do jornalismo foram co-autores da ilusão alardeada pelo governo: sem a prorrogação do imposto, o Orçamento teria abate de R$ 20 bilhões.

O jornal opinara: ‘O fim abrupto da cobrança da CPMF não foi o melhor desfecho’.

Pode não ter sido, mas a idéia mais consistente do noticiário foi a de que não haveria como compensar a contribuição, extinta em dezembro. Havia, como se constatou no jorro da arrecadação federal em janeiro.’

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‘Mínimo sobe; jornal repete valor antigo’, copyright Folha de S. Paulo, 9/3/08

‘A Folha manchetou no sábado retrasado, 1º de março: ‘Salário mínimo vai para R$ 415’. Esclareceu no subtítulo: ‘Vale a partir de hoje’.

No mesmo dia, em Dinheiro, os indicadores econômicos cravaram o valor do mínimo em março: R$ 380. Domingo, repeteco: R$ 380. Idem segunda, terça e quarta, até que um leitor reclamou. Na quinta, atualizou-se a informação. Ontem, apareceu ‘Erramos’.

O episódio reafirma um problema do jornal: a agilidade por vezes paquidérmica para mudar informações em seção fixa -com o horário de verão, demorou-se a acertar a página de fusos.

A diferença de horário entre Brasília e Buenos Aires foi retificada após alerta de um leitor. Tabelas esportivas volta e meia saem defasadas.’

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‘Círculo de leitores é boa notícia’, copyright Folha de S. Paulo, 9/3/08

‘Há duas maneiras de encarar a notícia que a Folha deu no último domingo, acerca do início do projeto ‘Círculo de Leitores’: o jornal ouvirá seu público e engavetará observações e idéias; ou as aproveitará para fazer amanhã um jornal melhor que o de hoje.

Prefiro apostar na segunda hipótese. É boa nova a promoção de reuniões mensais de dez leitores com um grupo de editores. De acordo com o anúncio, ‘as reuniões buscarão avaliar as edições, recolher críticas e levantar idéias para melhorar o jornal’.

Leitores, espectadores, ouvintes e internautas reivindicam participação cada vez maior nos empreendimentos jornalísticos nos quais se informam. Mais exigentes e críticos, não querem apenas falar, mas influenciar.’