‘A rigor, é mineiro e é tucano.
Mas a resposta depende de outra pergunta: o mensalão é nacional ou petista? Sem dúvida, é tanto nacional como petista.
O que não pode é o mensalão ser nacional e, o valerioduto, tucano. Ou o valerioduto ser mineiro e, o mensalão, petista.
Não se trata de joguete de adjetivos, mas do exercício de um dos pilares do projeto editorial da Folha, o apartidarismo.
Foi o que faltou à Primeira Página do domingo passado, quando a manchete – ‘Valerioduto de MG pagou juiz eleitoral, afirma PF’- sintetizou uma boa reportagem.
Na chamada, o texto curto que resume as informações das páginas internas, a expressão ‘mensalão do PT’ contrastou com ‘valerioduto mineiro’.
Quem lê ‘mensalão petista’ recebe uma informação correta: o esquema ilícito de pagamento a políticos de vários Estados e outros associados ao governo federal foi tocado a partir de 2003 por dirigentes do PT e próceres da administração -é a opinião do procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, nomeado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Já quem lê ‘valerioduto mineiro’ se informa pela metade: o desvio de verbas públicas que alimentaram em 1998 a campanha de reeleição ao governo de Minas do hoje senador Eduardo Azeredo se concentrou no PSDB -conforme inquérito da Polícia Federal.
Portanto, se o mensalão é do PT, o valerioduto é do PSDB. Sem equivalência de critério, empregam-se dois pesos e duas medidas -os petistas aparecem mal, e os tucanos são poupados.
O esquema de repasses por meio de empresas do publicitário Marcos Valério de Souza conheceu seu ápice no primeiro mandato de Lula. Depois se soube de sua gênese na gestão estadual de Azeredo.
O mensalão nacional favoreceu muitos partidos, mas seu núcleo foi petista. Se o valerioduto mineiro beneficiou legendas diversas, desenvolveu-se em torno do tucanato.
Um exemplo de jornalismo crítico e equilibrado foi publicado pela própria Folha, também no último domingo: a reportagem que comparou o mensalão com o valerioduto.
Uma contribuição inspirada ao debate sobre a cobertura é o artigo que o ombudsman do IG (e ex da Folha), Mario Vitor Santos, veiculou em seu blog, ancorado no portal.’
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‘O Seu Creysson são os outros’, copyright Folha de S. Paulo, 7/10/07.
‘A Folha estampou no alto da Primeira Página da quarta-feira um documento com carimbo do Congresso Nacional no qual se lia ‘Congreço’, com ‘ç’. Milhares de papéis do Senado e da Câmara foram carimbados assim.
Sob a mesma reprodução, na página A4, o jornal tascou o título ‘Seu Creysson’, o personagem do Casseta & Planeta que martiriza o idioma.
Concordo que era o caso de noticiar, mas não o de tripudiar. Ainda mais com tanto destaque. O telhado é de vidro.
No domingo, a Revista da Folha escreveu ‘convalescência’ (sic) em vez de ‘convalescença’. O caderno Fovest deseducou na terça ao falar de ombros ‘tencionados’ (sic); queria dizer ‘tensionados’.
Na quinta-feira, Cotidiano afirmou que um elevador foi ‘concertado’ (sic), em vez de ‘consertado’. Na sexta, Esporte perpetrou, às vésperas de jogo: ‘Há [sic] três dias do clássico’. No dia 23 de setembro, Brasil subverteu a letra do Hino Nacional.
Todos esses erros foram apontados por leitores. Talvez eles não pensem que o Seu Creysson viva no planalto central…
Registro: a Folha ignorou o seu ‘Manual da Redação’ ao omitir que o ‘Congreço’ saiu antes, na véspera, no ‘Correio Braziliense’.’
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‘O abandono de bebês e o direito de calar’, copyright Folha de S. Paulo, 7/10/07.
‘Como boa parte do jornalismo nacional, a Folha veicula informações sobre o abandono de bebês. Desconfio de que o noticiário estimule outras mães a se desfazer dos filhos -ou a matá-los. No domingo à tarde, uma recém-nascida foi encontrada viva em um ribeirão de Contagem (MG). No hospital, ‘batizaram-na’ como Michele.
A exploração da tragédia, especialmente na mídia eletrônica, teve o epílogo com a morte do neném na noite da quinta-feira.
Na terça, uma menina com pouco mais de 1 kg foi encontrada viva em um saco em Taboão da Serra (SP).
Anteontem, moradores de Queimados (RJ) descobriram em um rio outro bebê (porém morto).
Esses episódios deveriam ser exceção à regra jornalística de publicar o que se sabe. Entre os valores em conflito (direito de acesso à informação e direito à vida), o segundo merece prevalecer.
A Secretaria de Redação da Folha não considera que ‘noticiar o abandono de bebês possa estimular essa prática. Pelo contrário, a opinião pública sempre se revolta em casos como esse [de Minas]’.
Só que não é a opinião pública que abandona bebês, e sim mães que se influenciam pelas notícias que chegam a elas.’
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‘Pelo telefone’, copyright Folha de S. Paulo, 7/10/07.
‘A edição de 1987 do ‘Manual da Redação’ continha recomendação predatória ao gênero jornalístico da reportagem: ‘Um trabalho jornalístico que puder ser bem realizado por telefone prescinde do contato pessoal entre o jornalista e a fonte de informação’.
O princípio é outro: só apure por telefone o que não puder apurar pessoalmente.
O verbete foi suprimido. Lembrei-me dele na cobertura sobre a rescisão dos contratos dos 1.064 (na maioria) cortadores de cana da Fazenda Pagrisa, de Ulianópolis (PA).
Para fiscais do Ministério do Trabalho, eles viviam em situação análoga à escravidão. Para os donos da fazenda e alguns senadores, os trabalhadores passavam bem.
Em protesto contra a intervenção do Senado, os fiscais pararam as ações de combate ao trabalho escravo, como contou a Folha no dia 22.
Desde então, o jornal publicou relatórios, declarações e entrevistas. Tudo apurado de longe. Faria melhor se viajasse ao Pará, onde não mantém correspondente, para investigar.
Expor versões alheias não basta. É preciso produzir a sua, a mais fiel aos fatos possível. Com um repórter no local, há mais chances de êxito.’