A matéria publicada no Estado de S.Paulo de domingo (10/06), sob o título ‘Partidos de extrema esquerda controlam ocupação da reitoria’, assinada por Carlos Marchi, coloca em xeque não só a confiabilidade desse veículo de comunicação, mas também o tipo de jornalismo que se pratica atualmente no país.
A menos de seis meses de concluir o curso de Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo, questiono toda minha formação com base na construção do texto citado. Na própria introdução de sua matéria, Marchi incorre em erro gravíssimo do ponto de vista jornalístico defendido pelo Manual de Redação e Estilo do jornal para o qual trabalha:
‘Confira habitualmente os nomes das pessoas, seus cargos, os números incluídos numa notícia, somas, datas, horários, enumerações. Com isso você estará garantindo outra condição essencial do jornal, a confiabilidade.’
O seguinte trecho deixa isso bem claro:
‘A invasão da reitoria da Universidade de São Paulo (USP) não foi um ato espontâneo de estudantes radicais, mas uma ação planejada e sustentada por um grupo de partidos de extrema esquerda – o PCO, o PSTU e o PSOL –, o Sindicato dos Trabalhadores da USP (Sintusp) e a central Conlutas. A invasão, ocorrida em 3 de maio, teve marcas evidentes de operação planejada, segundo relataram testemunhas que a presenciaram. Dez minutos após a invasão, Claudionor Brandão, ex-diretor do Sintusp e líder das chamadas ‘ações diretas’ do sindicato, chegou para instruir os invasores.’
O estereótipo do ‘jovem rebelde’
Em momento algum, durante essa introdução, a fonte das informações é citada. Ainda que se queira argumentar, neste caso, sobre a possibilidade de sigilo de fonte, o texto não dá idéia alguma da procedência da informação, apenas generaliza que o fato foi relatado por ‘testemunhas que a presenciaram’ (no caso, a ocupação). Seriam estas testemunhas contra ou a favor da greve? Estudantes? Funcionários? Docentes? Não se sabe e não se saberá. No entanto, consta no Manual de Redação e Estilo do Estadão o seguinte item: ‘Trate de forma impessoal o personagem da notícia, por mais popular que ele seja’.
O que o Estadão soube fazer com bastante primazia, espalhando ao longo do texto expressões como ‘estudantes radicais’, a ‘mais remota extrema esquerda’, os ‘despossuídos da USP’, um ‘grupo de estudantes rebelados’.
Habilmente construído, o texto busca demonstrar a condição de minoria dos ocupantes (pois há, sim, diferença entre ocupação e invasão), delegando a um grupo de 30 líderes a mobilização dentro da reitoria. Como se não bastasse, alega (ingenuamente?) que praticamente todos são dissidentes do PT, ignorando a instrução do Manual de não valer-se de generalizações que possam afetar a toda uma classe ou categoria, raças, credos, profissões, instituições etc. Para reforçar ainda mais o estereótipo do ‘jovem rebelde’, Marchi descreve a vanguarda da ‘invasão’: ‘jovens fortes, alguns sem camisa e usando coturnos’.
Imparcialidade e objetividade
Ao ler o texto na íntegra, e prestando atenção em suas entrelinhas, fica clara a intenção de tal jornal em promover uma cisão no movimento estudantil, por meio de um jornalismo pobre e superficial, que afirma sem fontes, que quer provar sem provas. Outro ponto importante é a maneira como se coloca e se ressalta a questão da minoria que ocupou, ignorando uma das questões primordiais sobre esse debate, que é a das reivindicações desses estudantes. São válidas? São importantes? Nenhum jornal da dita grande imprensa informou, nem sequer refletiu sobre os motivos que levaram à ocupação. Simplesmente restringiram-no à intransigência de diálogo com a reitora Suely Vilela, ignorando os milhares de estudantes, que em ato, no dia 31 de maio, foram unir forças não só à ocupação da USP, mas também às reivindicações (muitas delas históricas) do movimento estudantil em geral.
Não há dúvidas de que a intenção em deslegitimar a ocupação e outras instâncias da USP, como o DCE (Diretório Central dos Estudantes) e o Diretório Acadêmico da Escola de Comunicação e Artes (ECA) pode ser lida como um apelo à repressão, como única forma de deter a ‘minoria arruaceira’.
Para os estudantes de comunicação e os profissionais da área fica a reflexão sobre o vigésimo item do Manual do Estadão, que diz respeito à imparcialidade e objetividade do texto jornalístico: ‘Não exponha opiniões, mas fatos, para que o leitor tire dele suas próprias conclusões.’ Deixo aqui um convite à leitura.
Clique aqui para ler na íntegra a matéria veiculada no Estadão.
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Estudante de Jornalismo, integrante da Comissão de Comunicação do Movimento de Greve da Universidade Estadual Paulista/Campus de Bauru