Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Medalha de ferro para a cobertura

O Brasil ganhou 10 medalhas em Atenas. Contabilizou também o assassinato de uma dezena de pessoas, e numerosos feridos, moradores de ruas em São Paulo e Belo Horizonte (só pra ficar nestas duas cidades, e nos casos que tiveram mais visibilidade no momento presente). No meio destes opostos, a cobertura da imprensa nos últimos dias, foi de um extremo ao outro. Nas manchetes e fotos de primeira-página, os contrastes dos acontecimentos. Nas páginas interiores, as matérias, em especial da Folha de S. Paulo e do Estado de Minas, em seus cadernos especiais e notícias, destacavam com vigor a Olimpíada. Entretanto, não deram o espaço necessário e estão investigando mal a questão da chacina desta população marginalizada – são mais de 10 mil pelo Brasil afora – que mora em avenidas e viadutos dos grandes centros urbanos do país.

Que medalha devemos dar à cobertura que imprensa fez até agora? Alguém pode até opinar o porquê de não existir ainda alguma medalha de ferro em disputa. Uma boa idéia: a medalha de ferro seria o troféu Santa Clara para determinados veículos da imprensa. Entretanto, nem as intervenções da santa ajudariam polícias e imprensa neste momento. Primeiro, porque não se sabem ainda como tais pessoas foram atacadas, feridas e mortas. Somente hipóteses e especulações rondam redações e delegacias. Quanto à polícia, não se sabe também se ela dispõe de tempo e desejos sinceros em solucionar tais crimes, haja vista que a população de é parcela excluída, malvista e daninha aos olhos preconceituosos da maioria da população. Segundo, como bem apontou Marcelo Beraba, o ombudsman da Folha de S. Paulo, numa citação longa, porém importante, de sua coluna no domingo, dia 29 de agosto:

‘O que faz dessas chacinas um caso maior? O número de mortos e feridos, a forma cruel e covarde como as pessoas foram atacadas e assassinadas, o fato de terem sido abatidas no centro de São Paulo, a exposição pública de um problema que teimamos em não encarar, que é o das populações de rua, o ambiente acirrado de disputa pela prefeitura, a intolerância, que parece estar por trás dos ataques em série – tudo isso fez com que os crimes da Sé deixassem de ser um caso local e policial para se transformar em caso de repercussão e de interesse nacional.’

Eis a ciranda, cirandinha na sua versão mais perversa. Justamente agora, depois do boom da Olimpíada, e bem perto das eleições municipais. E a mídia fica ziguezagueando neste turbilhão. Um terceiro item chama a atenção: teria alguma relação com o fato de as cidades em questão, Belo Horizonte e São Paulo, serem governadas por prefeitos do PT? Não é verdade que as tais guardas municipais criadas, existem efetivamente para ‘cuidar’ e ‘zelar’ pela paz nas ruas? As oposições políticas nestes dois municípios vão capitalizar os acontecimentos nesta reta final das eleições?

Correndo perigo

Pegando o viés, na rebarba da celeuma da criação do Conselho Federal de Jornalismo, que num erro de estratégia da Fenaj visitou o Executivo para levar adiante o projeto, parecendo necessitar do aval e apadrinhamento do presidente Lula – não tenho nada contra a criação do conselho; as tramitações é que mancham o projeto –, pois bem, como fica o comportamento da mídia em relação aos governos federal e municipais em questão, administrados pelo PT? Deveria a mídia tomar um partido mais enérgico em relação aos governos? Pois não é dever do Estado zelar pela segurança física dos patrícios? Em tempo: não podemos deixar de lembrar a invasão bárbara feita pela Polícia Federal acontecida há duas semanas à redação do jornal O Tempo em Contagem, Minas Gerais.

Fica a questão principal: que interesses nacionais devem nortear um exercício mais salutar e pleno para a mídia? Somente denunciar os crimes acontecidos ou ir mais fundo, em linha direta com as fontes, e demonstrar os desdobramentos incisivos e ocultamentos sociais presentes no processo? E olha que estamos na Semana da Pátria. Pegando carona: como a mídia pode se imaginar e atuar de uma maneira mais independente de ranços e exercer um civismo compartilhado e atrelado a algum tipo de cidadania? Afinal, são ou não são cidadãos brasileiros os povos excluídos das ruas? Vale refletir.

Enquanto isto, ao som longínquo do ‘Independência ou Morte’, o que mais reverbera é o termo Morte. A palavra mais usada em manchetes e subtítulos em todas as mídias, pra lembrar que na atual conjuntura as vidas dos povos da rua correm perigo. A família do índio Galdino, assassinado há tempos, que o diga.

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Jornalista, ensaísta, cronista, escritor e poeta, graduado em Comunicação Social e pós-graduado em Jornalismo Contemporâneo