Quando os japoneses compraram o Rockefeller Center, os norte-americanos perceberam que algo importante havia mudado. Eles vão notar alguma diferença agora que Paris Hilton é apenas uma ‘loira sensual’ que vende cerveja aos brasileiros? Esta propaganda criou uma clivagem simbólica. Existe agora uma distinção simbólica entre Paris Hilton tal como ela é vista pelos norte-americanos e como será doravante vista pelos brasileiros.
Através da propaganda, o símbolo (Paris Hilton) não mudou para os norte-americanos. Ao contrário o mesmo até se reafirmou (Paris Hilton é paga para vender cerveja aos brasileiros). Mas para os brasileiros tudo mudou (são os brasileiros que pagam para Paris Hilton vender cerveja). E para os brasileiros que veem o comercial Paris Hilton deixou de ser uma ‘americana notável e rica’ para ser apenas mais uma ‘loira sensual que vende cerveja’ como qualquer outra garota-propaganda das cervejarias.
Para entender e interpretar o que aconteceu em razão da propaganda, temos que recorrer a Les structures anthropologiques de l’imaginaire, de Gilbert Durand (Ed. Martins Fontes, 2001). Como diz Durand, ‘…o imaginário não é mais que esse trajeto no qual a representação do objeto se deixa assimilar e modelar pelos imperativos pulsionais do sujeito, e no qual, reciprocamente, como provou magistralmente Piaget, as representações subjetivas se explicam `pelas acomodações anteriores´ do sujeito ao meio objetivo’.
O deslocamento do valor
Portanto, quando alguém modifica o conteúdo do símbolo (as representações subjetivas do mesmo) modifica com o tempo a própria realidade (ou seja o meio objetivo em que o símbolo cria vida através das representações) mesmo quando o símbolo aparentemente não foi modificado.
A ‘dominação’ do Brasil pelos EUA não é diretamente militar (não existem bases militares dos EUA no Brasil e as Forças Armadas brasileiras não estão submetidas ao Pentágono). É econômica (as bugigangas eletrônicas, filmes etc… produzidos nos EUA e vendidos no Brasil ou produzidos no Brasil por empresas americanas), mas também – e principalmente – simbólica. Para muitos brasileiros (especialmente os de classe média e alta), os principais objetos de culto (símbolos) foram criados nos EUA. Tanto que eles desejam ser aceitos como iguais nos EUA ao afirmarem aqui que partilhamos a mesma cultura. As camadas mais baixas da população tendem a reproduzir à sua própria maneira o que as camadas médias e altas pensam.
‘A cultura válida, ou seja, aquela que motiva a reflexão e o devaneio humano é, assim, aquela que sobredetermina, por uma espécie de finalidade, o projeto natural fornecido pelos reflexos dominantes que lhe servem de tutor instintivo’ (Les structures anthropologiques de l’imaginaire, de Gilbert Durand)
Quando Paris Hilton deixa de ser a ‘norte-americana notável e rica’ para se tornar mais uma ‘loira sensual que vende cerveja’, seu valor simbólico é deslocado. É deslocado especialmente entre os consumidores do produto (brasileiros de classe média e baixa). Qual será o resultado deste deslocamento simbólico? Esta, meus caros, é a verdadeira pergunta.
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Advogado, Osasco, SP