Janus, o deus bifronte, talvez nos inspire uma breve reflexão neste início de ano, convidando-nos a voltar o olhar em retrospectiva para 2006, sem deixar de mirar o horizonte que se abre – e não basta um simples relance de olhos para uma análise mais aprofundada, embora sirva para concluir que se tratou, sem dúvida, de um ano permeado de ‘celebrizações midiáticas’, de desfaçatez política e de embates discursivos na arena da internet.
E se a arena é virtual, com a premente demanda da realidade, as relações que aí se estabelecem são, de certa forma, abstratas, desprovidas de substância, mediadas pela indispensável parafernália tecnológica/digital, através da qual o homem, reificado, torna-se ‘material humano’ , conteúdo (nem que por 15 segundos) na rede – esse o verdadeiro teor das ‘celebridades’ para se manterem nessa vitrine global.
Os limites desdobráveis do ciberespaço
Decerto que não se pretende uma condenação das inovações tecnológicas nem dos meios eletrônicos – todo progresso técnico encerra ambigüidades, com aspectos positivos e negativos que, por sua vez, resultam em vantagens e dificuldades, além de novos posicionamentos críticos, num permanente diálogo para o estabelecimento de novos paradigmas – exemplares, nesse aspecto, as imagens (captadas por telefones celulares e lançadas na rede) do enforcamento de Saddam Hussein.
Inegável a importância e o peso (virtual?) da internet na configuração das relações da comunicação ou das próprias notícias assim divulgadas – não é por acaso que, cada vez mais, empresas do ramo das comunicações abrem seus portais para a participação (‘jornalística’) de seus leitores. E nem teria sentido, por exemplo, a existência desse espaço crítico (de observação de mídia) se não fosse possível manifestar-se nele.
Deve-se supor que começa a forjar-se um novo cidadão, se é possível assim dizer, dentro dos limites infinitamente desdobráveis do ciberespaço – sendo conseqüente presumir uma nova ‘fala’ politizada, senão política, nesse contexto. Resta saber do uso propriamente político dos discursos aí engendrados ou repercutidos, uma vez que tais discursos muitas vezes não condizem com as atitudes políticas.
A voragem da mídia
Se as decisões relevantes e democráticas já não acontecem em ‘praça’ pública, têm ao menos o virtual espaço para o exercício de certa ‘vigilância’ (isso nos faz lembrar Foucault…) e pressão, como no caso dos insultuosos reajustes salariais propostos por nossos ilustres representantes. Também é conveniente lembrar o déficit educacional em nosso país e o fato de nem todos terem acesso à rede.
Os meios de comunicação devem absorver tais mudanças, amoldando-se a ou estabelecendo sutilmente novos modelos informativos no trato das notícias – sempre abertos, porém, a uma franca discussão crítica sobre os (des)limites tecnológicos, éticos, jornalísticos dos fatos e meios (considerando-se o caráter social de prestação de serviço inerente à atividade jornalística, sem esquecer os interesses lucrativos das empresas).
Se uma das faces de Janus guarda o passado, a outra contempla o futuro que se prenuncia em cores fortes (embora a modorra da estação), dando sinais do que se pode esperar da voragem da mídia – ela própria uma deusa de múltiplas faces – em 2007.
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Funcionário Público, Jaú, SP