A mídia parece que procura sempre formas para conciliar o seu dever de informar com os seus interesses financeiros e políticos. Atualmente a grande mídia brasileira vem cutucando com a ponta do alfinete a ‘virgindade’ de Severino Cavalcanti e o ‘traseiro’ do presidente Lula. E com a agulha, seguem costurando críticas infundadas e até mentirosas, travestidas de jornalismo sério, que possam atacar e inferiorizar a política externa brasileira.
Tudo indica que os veículos de informação elegeram o primeiro semestre de 2005 para colocar na agenda o ataque à política externa e a todas as decisões do ministro Celso Amorim, das Relações Exteriores, mas, contraditoriamente, sem se posicionar contra uma futura indicação do Brasil ao Conselho de Segurança da ONU.
O ano começou com uma mudança na prova do Instituto Rio Branco, conhecido por formar diplomatas vindos da mais alta elite brasileira. O teste de inglês foi modificado para ser considerado ,classificatório e não mais eliminatório. A mídia entendeu que o PT estava ‘emburrecendo o Brasil’ e que não mais era preciso saber línguas estrangeiras para entrar no Rio Branco.
Depois o debate contra a política externa esfriou. Vieram as enxurradas de notícias diretas do Vaticano enfiadas goela abaixo dos brasileiros em torno da morte do papa e do conclave formado para a escolha do novo representante divino da igreja católica.
De novo a Argentina
Inesperadamente, o noticiário internacional, baseado em agências internacionais e, por isso, restrito às informações que os países centrais consideram relevantes, passou a ter mais destaque devido aos conflitos que culminaram na falsa renúncia do presidente boliviano, Carlos Mesa. Em seguida, a crise no Equador fez com que o Brasil oferecesse asilo político a Lucio Gutiérrez, destituído pelo Congresso no dia 20 de abril.
De passagem pelo Brasil, Condoleezza Rice fez críticas a Hugo Chávez e Fidel Castro e se mostrou ‘preocupada’ com os recentes conflitos na América Latina, atitude semelhante à dos governos norte-americanos pouco antes de os golpes de estado na América Latina começarem na década de 60. A mídia não acatou de prontidão às declarações da secretária de Estado, mas usou a visita de José Dirceu à Venezuela como pretexto para criticar a ‘intervenção’ do governo Lula em assunto que deveria ser tratado pelo Ministério das Relações Exteriores, criando a idéia de que não sabe fazer diplomacia corretamente.
Na semana passada as relações com a Argentina voltaram às páginas da imprensa. Não mais pela discussão sobre o racismo no futebol, mas, coincidentemente, pela atitude do governo argentino de se manifestar contra as posições brasileiras em política internacional, como o asilo a Lúcio Gutiérrez.
Lula sozinho
O enfoque internacional nunca foi o forte da mídia brasileira, principalmente em relação a acontecimentos na América Latina, e que, ultimamente ocupavam espaço muito pequeno. Mas neste ano e mais evidentemente nas últimas semanas, o número de páginas dedicadas a notícias internacionais foi bem maior. Na terça-feira, dia 3 de maio a Folha dedicou-lhes seis de suas 16 páginas do caderno principal, inclusive capa e as seções Opinião e Folha Ciência, que contam quatro páginas. Tudo indica que a imprensa não está satisfeita com a política externa, ou então não se conforma que o governo petista esteja, tomando tais decisões, posicionando o Brasil como líder regional.
Na mesma edição de 3 de maio, a página A6 da Folha continha matéria com o propósito de ridicularizar a Cúpula América do Sul-Países Árabes (10 e 11 de maio), em Brasília. A matéria tinha o título: ‘Ausências esvaziam cúpula árabe’ e deu-se ênfase aos países que não enviarão seus líderes. Esta é uma evidência da tendência da mídia de se posicionar contra tudo que diz respeito à política externa do governo Lula, já que os cinco países, segundo a matéria, que não enviarão chefes de Estado (Egito, Jordânia, Síria, Líbia e Emirados Árabes) não deixarão de estar representados. Tanto que a matéria se contradiz, ao afirmar que o presidente do Egito será representado pelo chanceler e o rei da Jordânia, pelo irmão. Não é possível fazer política externa com representantes que não sejam chefes de Estado? A Folha dá a entender que não.
Então, em sua próxima viagem, Lula deveria ir sozinho, sem ministro, representantes de setores empresariais e industriais, do Congresso e do Senado, ou mesmo sem diplomatas, tradutores. Quem sabe até sem piloto.
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Estudante do Curso de Jornalismo da PUC-SP