Friday, 29 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1316

Mídia legitima a brutalidade policial

Desde que morreu Tim Lopes, em 2002, houve uma escalada de violência oficial nas favelas cariocas. Com apoio da mídia, o Bope passou a executar criminosos, suspeitos, inocentes e até um cidadão que usava uma furadeira. Já denunciei algumas vezes o nazismo à carioca e o uso inadequado do vocábulo guerra (ver aqui e aqui).   

Também tenho sido um crítico do uso do Exército nos morros cariocas (ver aqui).Para mim era evidente que em algum momento a mídia teria que enterrar seus cadáveres. É nisto que dá tratar um problema socioeconômico e de segurança pública como uma guerra interna. O que ocorreu com este cinegrafista é realmente lamentável. Morrer assim, jovem, com um tiro de fuzil… Uma tragédia.

Mais trágico, entretanto, é a mídia não perceber que ela mesma ajudou a construir este tipo de situação ao exigir “mais ação policial”, “aumento da segurança”, “intensificação da repressão”, “guerra ao crime” e outros eufemismos jornalísticos que legitimam a brutalidade policial, o uso do Exército nos morros e a escalada da violência oficial (e da resposta dos criminosos). A mídia ajudou a produzir os cadáveres.

A que ponto chegaremos? Há bem pouco tempo um cidadão foi fuzilado porque sua furadeira parecia uma UZI. Quem será a próxima vítima? Um garoto brincando de mocinho e bandido usando uma arma de plástico?

Quem serão os responsáveis?

Para falar a verdade, não acredito que a mídia vá parar de incitar a violência militar contra os favelados. A mídia queria esta guerra interna, justificou-a e criou-a de maneira conceitual através dos telejornais e revistas. E agora enterrará mais um cadáver.

Fico arrepiado só de pensar no que pode ocorrer quando um oficial do Exército for morto. Isto é perfeitamente possível. Os soldados brasileiros não estão em guerra, mas foram colocados onde estão com ajuda da mídia e esta trata os morros cariocas como uma zona de guerra. E guerra, gostemos ou não, sempre faz cadáveres (inclusive entre os soldados). Qual será a resposta do Exército quando morrer um oficial? Dar tiros de canhão na favela?

Os canhões do Exército já estão apontados para os morros (ver aqui)e todos nós sabemos que militares não fazem distinção entre esta violência simbólica e uma violência concreta. Matar, mutilar e destruir é o que os militares fazem, é o que eles são treinados para fazer. Militares nunca tiveram sutileza, nem aqui nem na China. Quem serão os responsáveis pelas novas vítimas inocentes desta guerra interna que se desenha? Os soldados ou os jornalistas que continuam a apoiar as ações do Bope ou a intervenção do Exército numa questão sócio-econômica e de segurança pública?

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[Fábio de Oliveira Ribeiro é advogado, Osasco, SP]