Há uma tendência, nas abordagens de mídia do Brasil, em pensar a grande mídia apenas no que diz aos grandes centros propriamente ditos, como é o caso do eixo Rio-São Paulo, principalmente em relação à capital paulista.
Essa tendência se vê quando analistas de programas de televisão creditam certos fenômenos de audiência como se fossem ‘nacionais’, quando eles são na verdade episódios isolados na Grande São Paulo. Se um programa da Rede Record, nos lares paulistas, sobretudo paulistanos (já que ‘paulistano’ é um paulista específico da capital), torna-se líder de audiência e supera um programa da Rede Globo, nada impede que esse mesmo programa da Record seja completamente incapaz de superar a audiência do programa ‘global’ nos lares de Fortaleza, por exemplo. Mas a audiência paulista é comemorada como se fosse um fato nacional.
Há também as análises do poder da grande mídia, para certos críticos nortistas e nordestinos, para os quais a grande mídia é tão somente São Paulo – não existe grande mídia em Salvador, Belém ou São Luís. Mesmo quando se reconhece a grande mídia provinciana, se limitam a questionar as afiliadas da Rede Globo que, embora seja uma rede de televisão sediada no Rio de Janeiro, é simbolizada através de sua afiliada paulista (aliás, a primeira afiliada histórica da rede, a antiga TV Paulista, a TV Globo paulista desde 1966) e pelos escritórios na Avenida Paulista.
Não bastando isso, há também as análises de ritmos musicais popularescos, cujos divulgadores – geralmente críticos musicais ou cientistas sociais que flertam com a grande mídia – exageram no anúncio de tais modismos, como se eles fossem uma ‘nova rebelião’ que ocorre ‘sem o apoio’ da grande mídia. Eles logo vão falando em ‘grande mídia’, como se fosse apenas a dos chamados ‘grandes centros’. A Avenida Paulista vem logo à mente, reforçada pela vista de fundo nos noticiários do Bom Dia São Paulo e do noticiário paulista do Bom Dia Brasil.
Mas, por que essa visão de grande mídia tão comente ligada aos grandes centros, como os grandes jornais e as grandes redes de televisão, uma grande mídia restrita ao âmbito nacional e situada em grandes centros de poder, no caso o econômico-administrativo, a cidade de São Paulo, maior centro financeiro da América Latina?
Uma intelectualidade sedenta por visibilidade
A razão para essa visão que eu defino como ‘paulistocentrismo’, tomando São Paulo como o centro midiático do país, talvez seja pelo fato de uma interpretação midiática restrita ao ‘topo da pirâmide’, feita por dois motivos prováveis. Em primeiro lugar, resulta de um hábito da sociedade, que foi induzida por décadas a ‘raciocinar’ de acordo com as grandes redes de televisão, sediadas em São Paulo, que também é sede dos jornais e revistas de maior circulação no país.
Com absoluta certeza, a mídia paulista exerce seu poder, mas ele acaba sendo superestimado, de tal forma que muita gente tem a impressão de que o Brasil só ‘acontece’, só ‘faz sentido’, se aparece em São Paulo. Seja uma celebridade, seja um ídolo da música, seja um esportista. Só no âmbito da política, Brasília compete com São Paulo na badalação midiática. Em segundo lugar, é por consequência de mídias regionais que, mesmo tendo conquistado o poder dominante nos seus estados, não querem ser consideradas ‘grande mídia’ para que não apareçam as mesmas críticas e cobranças de quem normalmente questiona o poder midiático dos grandes centros.
Além disso, em regiões de uma mídia mais provinciana, os interesses dos críticos da mídia, normalmente professores universitários locais, pela ‘visibilidade’ na mídia, os levam a restringir sua abordagem à crítica feita à mídia paulista (Folha, Estadão, Veja e Globo-SP).
Por isso ocorrem coisas estranhas como em Salvador, onde uma intelectualidade sedenta por visibilidade faz as mesmas críticas midiáticas como se fosse moradora de São Paulo, sem perceber que o poderio da grande mídia também está ao seu lado, no âmbito regional, e não somente na Rede Bahia (grupo regional que, no entanto, é associada tanto pela parceria com as Organizações Globo quanto pela figura nacional do seu ‘patrono’ e finado dono, Antônio Carlos Magalhães).
‘Coveiro’ de jornal
A Rádio Metrópole, e seu jornal homônimo, remanescentes de um complexo midiático que o ex-prefeito de Salvador, Mário Kertèsz, tentou construir a partir de um esquema de desvio de verbas públicas, escândalo revelado há 20 anos pelo jornalista e ativista social Fernando Conceição, mostra o quanto há uma mídia local também ávida pelo domínio social.
A Rádio Metrópole construiu sua trajetória há dez anos através de um jornalismo pretensamente ‘ecumênico’, campanhas tendenciosas ligadas à ‘cidadania’ e mesmo uma conduta jornalística estranha, resultante da não-formação de Kertèsz em Jornalismo, o que faz com que muitos dos seus programas não estabeleçam diferença entre uma redação de radiojornalismo e um botequim. Só mais tarde, a emissora e seu jornal impresso derivado, depois de endeusados pela intelligentsia baiana, ávida por aparecer na mídia, revelaram sua postura claramente conservadora e seu intento de competir em poderio midiático com o grupo dos herdeiros de ACM.
Esta postura que, no entanto, poderia ter sido prevista, já que Kertèsz foi ele mesmo afilhado político de ACM e havia contribuído em episódios do falecido líder baiano na decadência do progressista Jornal da Bahia (do qual Kertèsz foi último interventor, como um ‘coveiro’ do jornal) e na compra de rádios e ações de TV para criar um império midiático local. Sem falar que a Rádio Metrópole é, na verdade, uma rede dentro do estado da Bahia, retransmitida por outras cidades.
A ideia de local e de mundial
Porém, pensar a grande mídia apenas como aquela com escritórios na Avenida Paulista é ignorar as diferentes dimensões de poder existentes no país. É como se pensássemos o poderio do mundo apenas pela cidade de Nova York, sem percebermos os vários mecanismos de poder midiático em outras cidades, outros países.
Também, se pensarmos ‘mundialmente’ o poderio midiático apenas por Nova York, simplesmente São Paulo desapareceria e a grande mídia paulista – tão questionada sobretudo pelos blogueiros mais empenhados, como os jornalistas Luís Nassif e Paulo Henrique Amorim e o presidente do Centro de Estudos de Mídia Alternativa Barão de Itararé, Altamiro Borges – ganharia dimensões de ‘mídia nanica’.
Não faz sentido a mídia baiana, paraense, maranhense ou goiana pensarem o poder da grande mídia apenas em relação à mídia paulista porque, no microcosmo do macrocosmo, seria como se os críticos paulistas da mídia só questionassem a mídia de Nova York e Washington, enquanto menosprezam as posturas reacionárias de uma revista como Veja e vissem essa mesma revista como se fosse ‘mídia pequena’, ‘sem poder’.
Assim como existem as ideias de particular e de geral, de análise e de síntese, existe também a ideia de local e de mundial. Existem diversas abordagens de lugar, de região, e as relações de poder não podem ser vistas somente pelo âmbito de uma esfera máxima de poder. Existe o poder da mídia em caráter federal, mas também existe poder da mídia em caráter estadual, metropolitano e municipal.
A responsabilidade social da informação
Ignorar a mídia regional ou subestimá-la enquanto mera ‘representante’ das grandes redes é uma forma de ocultar problemas muito sérios existentes sobretudo nas regiões rurais, dominadas pelo coronelismo. Ou então ocultar os conflitos de poder que significaram a perseguição a jornalistas no interior do país e também crimes de morte que resultam em impunidade. Será preciso que essas denúncias tenham sentido apenas quando são reveladas pela imprensa paulistana? Ou será preciso que um analista da mídia de grande projeção encampe essas denúncias dos poderios regionais para que elas serem reconhecidas?
Será que no isolamento das mídias regionais, provincianas, esse poderio que já exerce seu domínio social, manipulando o grande público, coagindo com claros interesses político-midiáticos, não pode ter sua existência reconhecida, apenas pelo fato dessas mídias serem as únicas ‘possíveis’, os únicos meios de (acanhada) expressão regional de intelectuais sem coragem de fazer uma crítica mais abrangente da grande mídia?
O interior do país, ou mesmo as capitais de regiões ainda com sérios problemas sociais como o Norte, Nordeste e Centro-Oeste, contam com processos de poder político e midiático que não podem ser subestimados. Grupos econômicos e políticos dominantes exercem seu controle social, até mesmo de forma bem mais violenta que seus similares paulistas. Imaginar que não existe uma ‘grande mídia’ de caráter regional é, segundo o jargão popular, esconder a sujeira debaixo do tapete.
Esse processo de controle sócio-político da mídia local acaba gerando conflitos graves que o desprezo dos analistas locais, com seus binóculos vasculhando a Avenida Paulista, só faz agravar, na medida em que sua missão de informação é diluída pela conivência das ‘únicas mídias locais’ possíveis. Em nome da visibilidade desses analistas, deixa-se de cumprir a sagrada responsabilidade social da informação, o compromisso social desses analistas torna-se capenga, incompleto e parcial.
Para concluir, o Brasil é um país muito grande para o teatro da mídia se limitar ao palco da Avenida Paulista.
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Jornalista, Niterói, RJ