Uma semana atrás, os brasileiros, especialmente os cariocas, acompanharam a invasão do exército ao vivo, durante horas, pelas principais redes de TV. À medida que as tropas avançavam e fechavam o cerco aos traficantes, a mídia televisiva enviava as primeiras imagens da Vila Cruzeiro. Sem grandes resistências por parte dos líderes do tráfico, o que se via era uma ocupação das forças armadas e a fuga desesperada dos criminosos, que deixaram para trás veículos, casas luxuosas, arsenal bélico e toneladas de pó.
A ação aparentemente bem-sucedida do exército frustrou as expectativas da mídia, que um dia antes publicava manchetes que declaravam aberta a batalha do Alemão entre o tráfico e as tropas oficiais. Alusões descabidas e desproporcionais, onde comparava a ação na Penha à blitzkrieg alemã na Segunda Guerra Mundial.
Em uma sucessão de erros, a imprensa foi conduzindo a cobertura que foi rotulada como ‘Guerra contra o tráfico’, ou ‘Guerra no Rio’. O espetáculo da mídia não se deteve aqui, além da aplicação equivocada do termo ‘guerra’, já que em uma guerra as proporções e os estragos não podem e nem devem ser comparadas às ações isoladas de bandidos – a escolha das fontes também contribuiu para uma leitura parcial da realidade.
Ao se deter as respostas dos comandantes da operação, se observou, mais uma vez, assim como em outras coberturas, a prevalência de um jornalismo declaratório, sem grandes investidas nos demais ângulos que compõem a história. A mídia apostou em um caminho mais fácil para obter as informações e, assim, conseguir vender o produto com rótulos de jornalismo de boa qualidade. O que se via eram bandidos sendo presos e exibidos como verdadeiros troféus; tanques e soldados sendo cultuados. E o que pouco foi explorado foram as consequências daquele confronto para os moradores, questionamentos sobre as balas perdidas, a falta de estrutura e apoio social do Estado.
Revanchismo da mídia?
A avaliação da mídia é detida em apenas creditar a operação policial, que aparece positiva do início ao fim. Como se a ameaça à segurança fosse devida à exclusiva existência de facções criminosas. A imprensa não analisou a situação antes, durante e depois da ocupação na Vila Cruzeiro, como deveria ter sido feito. Se ao menos tivesse, não teria incorrido no erro de disseminar uma ‘vitória’ do bem contra o mal e constataria problemas sem evidência como, por exemplo, violação de direitos humanos dentro dos morros.
O clima de ‘vencemos’ propagado pela imprensa não existe. Visto que esse policiamento de ‘linha dura’ realizado nas favelas cariocas mata muito mais do que os homicídios ocorridos dentro do Rio de Janeiro, dado que representa 15% do total de mortes violentas no Estado, segundo o relatório da Anistia Internacional de 2009. E a pergunta que não quer calar: ‘Quem são esses mortos? Serão todos traficantes? Será que a imprensa ao longo de todas as coberturas realizadas em favelas não tem pecado ao relatar apenas um ponto de vista?’
A verdade é que o erro persistiu em mais uma cobertura da mídia. A informação não era apurada corretamente; notícias divulgadas tiveram que ser retificadas pelos próprios moradores da favela que, por não terem espaço nos jornais, TVs, se expressavam pelo twitter. Em 140 caracteres, informações passadas pelo @vozdacomunidade de que o Complexo do Alemão estava sem energia foram esclarecidas; que possíveis imagens do que seria uma destruição provocada por tiros era nada mais que as obras do PAC. Ou seja, a mídia não sabia o que acontecia com os moradores. A imprensa se fixou em estampar as irrisórias apreensões e meia dúzia de bandidos, entre eles Eliseu Felício de Souza, o Zeu, um dos condenados pela morte do jornalista Tim Lopes, em 2002. Prisão esta que foi ridiculamente exposta como um prêmio. Ou seria revanchismo da própria mídia?
Uma lição de pluralidade de fontes
Vingança ou não, muita coisa deixou de ser esclarecida por puro comodismo. Os feridos, os mortos, pouco sabemos quem são ou que faziam no momento, se de fato eram traficantes ou pessoas de bem que poderiam estar indo comprar o pão. Diante de um vacilo tão primário dentro do jornalismo, que é não escutar terceiros, coberturas como esta levantam questionamentos sobre a responsabilidade dos jornalistas e seus respectivos veículos. Capacidade que deveria estar empregada desde o sentido jurídico e político da palavra guerra (que vem sendo usada erroneamente), até as versões de moradores que não tiveram muito espaço na mídia.
Exemplos como o do garoto Rene Silva, de 17 anos, põem em xeque a postura adotada por muitos jornalistas veteranos que transformaram a cobertura em mais um espetáculo da mídia. O jovem mostrou ao mundo por meio do twitter (@vozdacomunidade) que para fazer jornalismo de qualidade não precisa necessariamente portar uma câmera de alta qualidade. Ele, que sonha fazer Jornalismo, desde os 13 anos criou um jornal no Morro do Alemão onde fala das necessidades do povo e informa os assuntos da comunidade. Uma prestação de serviço social e uma verdadeira lição de pluralidade de fontes dentro da ação jornalística a ser seguida.
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Estudante de Jornalismo, Recife, PE