Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Mitos e o debate necessário sobre a Amazônia

A Amazônia está na ordem do dia e é tema predileto da mídia. Por sua importância como reserva florestal global, pela depredação irregular e sem controle, o debate é emocional, bate nas raias da histeria e assume foro de verdade, quase mítico, de que deveria ser intocável, quiçá eternizada. Para a sociedade brasileira, é intangível a sustentabilidade e a biodiversidade do gigante e se desconhece o que lá existe.

Paradoxalmente, vivem hoje na Amazônia 23 milhões de pessoas, num ambiente inóspito à vida humana moderna.

Desconhecem os ambientalistas, e também a mídia, que cana-de-açúcar não se adapta ao regime de chuvas e de umidade da região amazônica, pois não produz a sacarose. Desconhecem os europeus, e todos os demais citados, que cana-de-açúcar não suporta transporte superior à distância de 50 km depois de colhida. Desconhecem-se os custos de implantação de lavouras de soja e é economicamente inviável queimar-se floresta e destocar raízes para plantar soja.

A questão demográfica

Paralelamente à barulhenta guerra que se processa na mídia entre ambientalistas e desenvolvimentistas, a fome espreita a humanidade. Especialistas prevêem que a situação vai piorar: faltam áreas novas no planeta para aumentar o plantio de alimentos. Onde há terra, não há água. Ou é terra coberta permanentemente por gelo. Será impossível atender os novos consumidores, frutos do aumento demográfico, aos quais se agregam populações asiáticas em acelerado processo de urbanização e inclusão social – que deixam de produzir para consumo próprio no campo e tornam-se consumidores urbanos de alimentos importados, pois seus países (China, Índia, Bangladesh, Paquistão, Indonésia) não têm capacidade de produzir alimentos nos volumes requeridos.

Se ocorrer o previsto ‘aquecimento global’, ameaçado por Al Gore e pelos cientistas do IPCC, comprovando que ‘há males que vêm por bem’, com o degelo das calotas polares surgirão imensas áreas hoje cobertas de gelo na Rússia, Canadá, China, Groenlândia e em alguns países nórdicos, aptas para a agricultura, para aplacar a fome. Mas isso é apenas mais futurologia. Na futurologia, aliás, deveria haver espaço para a criação de ONGs direcionadas e focadas na questão demográfica, pois estamos indo para o vinagre por excesso de gente. É uma questão que envolve o debate de uma série de dogmas religiosos e a natureza da sexualidade humana.

Tratamento emocional pela mídia

Antes da fome propriamente dita, que também é da natureza humana, haverá a especulação desenfreada dos preços, encarecendo os alimentos numa previsível carestia planetária. Existe, portanto, a necessidade do plantio de alimentos em novas áreas nos próximos anos, da qual o cerrado brasileiro não terá, isoladamente, como garantir esse suporte a não ser com a ajuda de novas tecnologias que tragam aumentos substanciais na produtividade. A chamada integração lavoura-pecuária, onde a agricultura recupera áreas degradadas de pastagens, chegará ao limite de ocupação em menos de 10 anos, no máximo, em decorrência da necessidade de novas áreas para plantio de alimentos.

O engenheiro agrônomo Fernando Penteado Cardoso, presidente da Agrisus – Fundação Agricultura Sustentável, apresentou proposta de se aproveitar áreas amazônicas, terras de floresta para plantio de alimentos. Propõe ele o aproveitamento de 1/3 a 1/4 da floresta para o plantio de alimentos, pois ‘será incoercível’, como diz ele, essa necessidade diante do aumento demográfico e dos novos consumidores. É uma idéia pra lá de corajosa, devemos admitir. Na ausência de debates em profundidade, seja através da imprensa ou da comunidade científica, convém examinar uma entrevista do presidente da Agrisus, disponível aqui, o qual, do alto dos seus 93 anos de experiência, analisa essa alternativa de forma clara e objetiva.

Pelo potencial de polêmica que carregam as afirmações desse também mitológico engenheiro agrônomo – fundador da Manah e presidente da empresa por mais de meio século – decidimos, na redação da revista DBO Agrotecnologia, apresentar um primeiro contraditório, a cargo do também engenheiro agrônomo Odo Primavesi, da Embrapa, um dos 17 brasileiros signatários do relatório do IPCC – e, portanto, um ambientalista convicto. Acabou se transformando numa entrevista-debate, em profundidade, que irá enriquecer os espíritos sedentos de informação e ao mesmo tempo carentes de opiniões referenciais sobre o tema, lembrando que a mitologia amazônica é tratada de forma emocional na mídia.

Perigos do custo de alimentos

O resultado é uma avalanche de informações técnicas travadas entre esses dois especialistas, ambos otimistas, mas preocupados de forma responsável com questões ambientais e com a sustentabilidade da agricultura, além da sobrevivência da humanidade, ainda que em campos opostos na forma de como concretizar o milagre.

Na matéria citada, pode-se ler opinião de qualidade à luz das ciências agronômicas, distante da histeria emocional praticada através da mídia, que repete erros crassos da história humana. Felizmente, tudo isso sem o perigo de sermos levados às fogueiras como já se praticou no passado. Porém, como registra o Fernando P. Cardoso, ‘o manejo sustentável da floresta amazônica, com exploração das madeiras maduras, é uma expressão desiderativa’.

Na mesma edição há um artigo do jornalista e técnico agrícola Milton Pomar, ‘Encruzilhada perigosa – o consumo asiático de alimentos preocupa’, que hoje ocupa a gerência-geral da BWP S/A na China, uma empresa Brasif. Ele alerta sobre os perigos do alto custo de alimentos no futuro-breve, por conta da imensa legião de asiáticos em processo de urbanização e de inclusão social.

Devemos refletir profundamente sobre os mitos amazônicos. De outro lado, já que brasileiro gosta tanto de leis, dever-se-ia votar e aprovar uma determinando que opiniões de nonagenários de notório saber devessem, no mínimo, ser discutidas no Congresso Nacional.

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Jornalista, editor e publisher da revista DBO Agrotecnologia, autor de Marketing da Terra e Marketing Rural: como se comunicar com o homem que fala com Deus, da Editora Universidade Federal de Viçosa, MG