O jornalista Rogério Gentile (Folha de S.Paulo, ‘Opinião’, 01/12/2008) não mediu palavras para criticar as autoridades de Santa Catarina pela tragédia que aconteceu naquele estado. Em sua opinião, a culpada não foi a chuva pelo desastre, ‘mas a irresponsabilidade de quem permitiu que milhares de pessoas vivessem em locais perigosos, nas encostas dos morros ou nas várzeas dos rios. A maioria dos mortos não foi vítima da água, mas sim, da terra ou do tijolo que caiu sobre suas cabeças’. Continuando, ele diz que ‘era obrigação do poder público mapear as áreas de risco, combater o desmatamento nos morros, fazer obras de prevenção onde isso era possível ou simplesmente impedir a ocupação nesses locais’.
A falta de ação dos poderes públicos para impedir construções em áreas de risco é comum a todas as cidades brasileiras. Em Salvador (BA), por exemplo, as pessoas (de baixa e de alta renda) insistem em ocupar desordenadamente todos os cantos da cidade, inclusive as encostas, indiferentes aos perigos que tais atos possam representar para suas vidas, sem que qualquer autoridade proíba esse tipo de conduta. E o que se vê com freqüência é desmoronamento de barrancos, causando prejuízos materiais e mortes.
Um exemplo do descaso oficial na capital baiana pode ser visto por quem vai do comércio para a Avenida Castelo Branco (Vale de Nazaré) pelo túnel Américo Simas. No morro, acima da entrada do túnel, existe uma invasão, perigosamente instalada, sem que os poderes constituídos tomem quaisquer providências. Tomara que não aconteça aqui a catástrofe que abalou o povo catarinense, muito menos se repita a tragédia que comoveu a sociedade soteropolitana no início do século 19.
Sem segurança, expondo a vida
Era 1813, quando ‘(…) a ribanceira, que se eleva em frente do trapiche do Barnabé ao Pilar, desabou de improviso com tal porção de terra e com tal ímpeto que só escapou aquela metade do trapiche que demora para a banda do mar. A rua ficou entulhada de um grande monte de terra e do arvoredo que cobria a ribanceira, e as casas que faziam o frontispício do trapiche ficaram demolidas. Morreram algumas pessoas que neste momento passavam pela rua; e das que habitavam as sobreditas casas mui poucas escaparam…’. Os dados são da professora Maria Beatriz Nizza da Silva (A primeira Gazeta da Bahia: Idade d´Ouro do Brazil, 2005, p. 50-51). Só depois do desastre, diz a autora, as autoridades despertaram e proibiram novas construções naqueles lugares.
O tempo passou e os poderes públicos atuais não apreenderam as lições dos gestores antigos. Em nome de uma democracia deformada (em que todos têm direitos, menos deveres) os políticos permitem ocupações desordenadas nas escarpas da cidade, sem se lembrarem que os fenômenos causadores das tragédias são sempre os mesmos: chuvas, construções em áreas de risco e falta de vontade política para proibir tais atos. Que as autoridades não se descuidem, se debrucem sobre o assunto. Revejam seus conceitos e proíbam qualquer tipo de edificação em lugares que não ofereçam segurança a quem busca construir um lugar para morar. Afinal, ‘as pessoas precisam morar’. Mas não dependuradas nos morros, ou próximas às várzeas dos rios, sem conforto, sem segurança, sem higiene, expondo suas vidas a perigos constantes.
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Jornalista, Salvador, BA