Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Mudanças na linguagem para atrair leitores

Escrever ou reescrever? Formular um novo discurso ou reformular um discurso já existente? Essas são algumas das muitas perguntas que os jornalistas que escrevem sobre ciência se fazem todos os dias. Esclarecendo parte dessas dúvidas com a dissertação ‘Gêneros do discurso, ciência e jornalismo: o tema da saúde em reportagens de capa da Superinteressante‘ , a pesquisadora Ariadne Mattos Olimpio debate elementos importantes para o jornalismo científico. A dissertação foi defendida em junho, no Departamento de Letras Clássicas da Universidade de São Paulo (USP).

A pesquisadora analisou as reportagens de capa sobre saúde da revista Superinteressante em três períodos distintos: 1988 e 1989; 1995 e 1997; e 2002 e 2003 sempre sob a ótica da análise do discurso. Segundo Olimpio, a escolha dessa publicação deveu-se ao fato de ser um veículo comercial, com uma tiragem grande (mais de 400 mil/mês) e certa tradição dentro do jornalismo científico. Já a opção pelo tema saúde relaciona-se com o interesse que desperta nos leitores. ‘Isso ocorre porque geralmente as notícias sobre saúde não só informam, mas também orientam o comportamento do leitor já que dão dicas sobre cura e prevenção de doenças’, diz.

Para analisar o texto da revista nos três períodos, a pesquisadora recorreu ao Círculo de Bakhtin. Usando conceitos como dialogismo, gêneros do discurso e polifonia, Bakhtin considera o diálogo a essência da linguagem. De acordo com ele, a linguagem constrói-se não somente com o interlocutor direto, mas também com os indiretos. Nesse sentido, quem fala também está dialogando com o que já foi dito em lugares e tempos diferentes. Desse modo, os sentidos dos enunciados sempre são construídos no diálogo.

Diversificação de fontes

Ariadne Olimpio percebeu diferenças consideráveis no diálogo proposto pela revista Superinteressante nos três períodos analisados, principalmente no que diz respeito à forma de atrair o leitor. Segundo ela, no primeiro período os títulos foram mais impessoais e existiam poucas marcas dialógicas (formas de criar identidade com o leitor). Já no segundo período, palavras como ‘você’ passaram a ser usadas com freqüência, característica acentuada no último período. ‘Essa foi uma das formas de criar uma identificação direta com o leitor’, diz a pesquisadora.

A mudança temática é outra forma de mudar o diálogo com o leitor. De acordo com Ariadne, o primeiro período foi marcado por notícias que tratavam da cura de doenças, já no último, o tema preferido é a prevenção, e por isso as notícias deixam de ser somente informativas, passando a orientar também o comportamento do leitor. ‘Há nesse aspecto, uma grande mudança no diálogo entre a revista e seu leitor’, afirma.

Essas alterações são visíveis também nas fotos e ilustrações. De rebuscadas e bem elaboradas, as imagens tornaram-se mais simples e ligadas ao cotidiano. Por exemplo, no terceiro período é comum a presença de imagens de pessoas fazendo atividades triviais, como correr. ‘Assim, as fotos representam atividades que são recorrentes no universo do leitor’, diz a pesquisadora.

Apesar das diferenças, também há muitas semelhanças. A principal é a manutenção dos cientistas como principais fontes de informação. ‘Mais do que isso, o discurso científico é predominante em todos os períodos analisados’, diz a Ariadne. Mas mesmo que as fontes se mantenham, a forma de transmitir a informação se transformou, de acordo com ela. ‘Antes o discurso científico trazia explicações, no último período traz conselhos para a vida prática do leitor’, diz. A pesquisadora ainda observa que com o passar do tempo a Superinteressante passou a buscar cada vez mais fontes de fora do Brasil.

Enunciado novo

A forma de citar o discurso da ciência também foi parecido. A forma utilizada é o discurso direto preparado, que cria um certo distanciamento com a fonte. Essa forma caracteriza-se pelo uso de aspas com frases ditas pelo cientista.

Outra forma de criar identidade com o leitor, é antecipar perguntas que o público pode fazer. Essas perguntas tornam o texto mais didático e mais atraente. ‘Essa também é uma característica encontrada de forma mais acentuada no último período analisado’, afirma a pesquisadora.

Respondendo a pergunta inicial desse texto, Ariadne considera o jornalismo científico uma formulação de um novo discurso com suas peculiaridades próprias. ‘Não é uma simples reformulação de discurso (do científico para o jornalístico), mas sim a produção de um novo enunciado’, diz.

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Jornalista