Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Muita citação e pouca iniciativa

Inflação em queda foi a notícia econômica mais importante de agosto, até a segunda semana, mas a maior parte da grande imprensa cuidou do assunto burocraticamente. A exceção foi o Estado de S.Paulo. Boas matérias arredondaram o noticiário no domingo (10/8). No sábado, todos haviam informado o recuo do IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), usado como referência para a política de metas de inflação. Passivamente, haviam reproduzido sem sinais de inquietação as explicações da coordenadora dos índices de preços do IBGE, Eulina Nunes dos Santos.


Em julho, o IPCA subiu 0,53%. Em junho, havia aumentado 0,74%. A especialista do IBGE atribuiu a mudança a fatores como a redução do imposto sobre o trigo e – possivelmente – o anúncio de uma safra recorde. Talvez por polidez, ninguém pediu mais detalhes. Mas teria valido a pena.


A redução do imposto sobre o trigo não explica a diminuição nem o menor aumento de outros preços. Além disso, a nova estimativa da safra 2007-2008 apenas confirmou, com um pequeno acréscimo, uma produção recorde. Mas o detalhe mais importante é outro: com exceção dos cereais de inverno, quase tudo já foi colhido e quem opera no mercado de alimentos sabe disso melhor que todo mundo.


Aumento dos insumos


No primeiro dia, o noticiário ocupou várias páginas, com muitas opiniões de consultores, principalmente do setor financeiro, e alguma discussão sobre a política do Banco Central. Pergunta angustiante: os juros continuarão a subir? Houve respostas positivas e negativas, sempre de consultores e analistas do ‘mercado’. Na mesma edição, todos noticiaram a queda dos preços por atacado, informada pela Fundação Getúlio Vargas.


Se as editorias dependessem menos de citações entre aspas e mais da cabeça de seu pessoal, poderiam ter costurado as várias peças do noticiário para apresentar, já na edição de sábado (9/8) , um material mais organizado. Na sexta-feira (8), o Valor havia noticiado, em manchete, a redução das margens de lucro das empresas pela inflação. Pergunta evidente: as empresas tentarão recompor as margens, se houver demanda suficiente? Essa questão deve ser relevante para os analistas do Banco Central e pode influenciar a próxima decisão sobre juros. Por que não incluir esse detalhe na montagem do quadro, sem depender apenas dos oráculos do setor financeiro?


O material do Estadão no domingo foi importante não tanto por trazer novidades, mas por ajudar o leitor a ver e a entender o grande cenário e os próximos problemas. O recuo das cotações nas bolsas de mercadorias não é novidade, mas o detalhe torna-se relevante, de novo, quando é incluído num amplo material sobre a inflação.


Foi oportuno, além disso, chamar a atenção para o plantio, nos próximos meses, da safra 2008-2009. Se for confirmada a tendência de baixa das cotações, os produtores poderão ter dificuldades, porque os insumos encareceram muito nos últimos 12 meses. Além do mais, ‘o descasamento entre preços e custos é agravado pela valorização do real ante o dólar, quando as cotações recuam’, assinala a matéria. Dias antes, o Valor havia publicado uma boa matéria sobre o aumento dos insumos agrícolas. A matéria do Estadão, domingo, foi um passo adiante, juntando esse e outros componentes num grande quadro.


País deserto


Matérias como essa comprovam um fato cada vez menos lembrado nos meios de comunicação: há vida econômica fora do mercado financeiro. Feijão, arroz e trigo nascem no campo, não nas bolsas de mercadorias, e para nascerem é preciso plantá-los. Detalhes desse tipo são ainda mais escassos na cobertura econômica das emissoras de TV.


Nos principais programas econômicos, o assunto central na TV é a oscilação dos índices das bolsas, do câmbio e dos juros, e a inflação é importante principalmente por afetar esses indicadores.


Quem se guiar apenas por esse noticiário imaginará o Brasil como um país deserto, sem agricultura e sem indústria de transformação, especializado na produção de minérios e de petróleo. Afinal, se a economia é medida pelas bolsas, como parecem supor os editores desses programas, Vale do Rio Doce e Petrobras são a economia brasileira.

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Jornalista