Friday, 15 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Muito além do horizonte da mídia

Um rei que não perde a majestade nem debaixo d´água. Assim é o Roberto
Carlos, o cantor que se apresentou no sábado, dia 11 de julho, para um público
de milhões de admiradores no Maracanã em show comemorativo dos seus 50 anos de
carreira, enquanto uma chuva caía sobre as pessoas fascinadas diante do
ídolo.


Sua história musical, tão decantada por diversas formas de mídia, se confunde
com a vida de gerações de brasileiros comuns, aqueles que aprenderam a
cantarolar suas canções enquanto varrem as ruas, atendem nos postos de gasolina,
ouvem o rádio dos automóveis, sintonizam pequeninos transmissores no alto
Amazonas, ligam receptores de TV nas praças das cidades interioranas dos rincões
nacionais, acorrem a shows em grandes casas de espetáculos, no nordeste ou no
sul, se ligam atentamente aos especiais transmitidos em rede nacional nos finais
do ano como parte das comemorações natalinas e até incorporam expressões suas
que podem servir para orações contritas ou para declarações rasgadas de amor e
paixão.


Se ele passou por poucas e boas, ao longo da sua vida pessoal e profissional,
soube conservar uma característica que é fundamental para a comunicação social:
fala com o coração a linguagem da sua gente brasileira, independente de idade,
credo, raça, classe social e costuma enfatizar mesmo é o amor que o une ao seu
público.


Ultrapassa modismos e movimentos


Isso lhe confere um lugar cativo como Rei, embora, nas entrevistas e
declarações, se apresente sempre como o humilde homem que veio lá de seu pequeno
Cachoeiro de Itapemirim para conquistar o mundo musical e sagrar-se o mais
comunicativo entre tantos talentos – aquele que se identifica em forma e
conteúdo com os intrincados aspectos da semiologia dos significados que garantem
o feed back dos receptores e dos diversos públicos.


O que se viu no Maraca lotado foi uma partida espetacular em que o jogo se
resumia a vários gols de placa marcados por um astro que é craque da empatia
popular. O mesmo Roberto Carlos cujos símbolos são cultivados carinhosamente por
décadas, apresentou-se com o tradicional ‘calhambeque’, vestiu-se de branco,
lavou a alma dos seus súditos, garantiu a audiência do Oiapoque ao Chuí na noite
de um sábado frio e chuvoso e levou ao delírio gente de todas as partes, de
todas as espécies, de todas as idades. Repetiu canções que todos sabiam de cor,
riu e chorou, abraçado ao amigo Erasmo Carlos e à maninha Wandeca, levou paz a
milhões de espectadores que, por algumas horas, se esqueceram da violência e
vivenciaram o que ele define simplesmente como amor entre ele e seu público.


Edgard Morin teorizou bastante sobre os Olimpianos e como suas vidas passam a
ser vividas por seus adoradores. Roberto é um deles, mas vai além do simples
Olimpiano da mídia industrial porque ultrapassa modismos, movimentos, atenua
diferenças, consegue apresentar-se junto de um Caetano Veloso no Teatro
Municipal para comemorar 50 anos da Bossa Nova, tem suas músicas cantadas nas
igrejas de várias religiões, quando fala da espiritualidade e de Jesus Cristo,
tem ainda um percentual respeitável das chamadas ‘trilhas sonoras de motel’,
atende aos casais enamorados nas diversas fases das suas vidas afetivas,
reverencia as mulheres de 40, as que usam óculos, as baixinhas, as gordinhas, as
abandonadas, as sonhadoras e aos homens, empresta bons argumentos para
conseguirem conquistas ou para lograrem reconciliações.


Um lugar tranquilo


Ter um CD do Roberto na manga do colete, ou no MP4, deixar que algumas das
suas centenas de músicas aguardem para serem ouvidas ou cantadas no momento
certo. Há sempre uma delas destinada ao instante necessário, até aquela
do Cachorro que sorriu latindo, quando o homem volta para casa e espera
ser recebido de braços abertos pela família.


Engenhosidade, senso de oportunidade, feeling, estrela, tenacidade, boa
produção, cuidadosa escolha de repertório e voz macia com trejeitos de homem que
conserva o menino que todos gostariam de proteger, são tantas emoções e tantos
ingredientes que concorrem para fazer dele uma unanimidade nacional. Apesar dos
narizes torcidos de alguns, quem não se rendeu alguma vez a um canto do gênero:
como é grande o meu amor por você?


Pois a noite de 11 de julho, segundo ele próprio, foi a maior emoção da sua
vida, a vida de um persistente brasileiro dedicado ao que escolheu fazer, de
homem com talento aliado a trabalho, de pessoa sensível ao movimento que invade
a alma de um povo que o sente tão próximo, que faz dele um quase irmão, quase
confidente, quase vizinho, um personagem quase comum que é ao mesmo tempo um Rei
com um reinado bem delineado.


O povo brasileiro e o cetro que empunha é o coro de milhões de vozes que
podem ser ouvidas nos confins, além do Maracanã, muito além da lógica e bem mais
além do horizonte da mídia. Onde deve ter um lugar tranquilo para a nossa gente
amar a saga do Roberto Carlos, tanto assim.

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Jornalista, Rio de Janeiro, RJ