Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Mulheres sem destaque na mídia

Setenta mil brasileiras trabalham como prostitutas no exterior. (Informação apresentada nos noticiários de TV).

Quase a metade de todos os imigrantes internacionais é, atualmente, de mulheres, mas suas necessidades continuam sendo ignoradas, segundo um relatório apresentado em Londres pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA). Do total de imigrantes internacionais, 49,6% – 95 milhões – são mulheres que abandonam seus países para se casar, se unir a suas famílias ou trabalhar. A cada ano, entre 600 mil e 800 mil mulheres, homens e crianças são vítimas das redes de tráfico de pessoas e, deles, 80% são mulheres e meninas. Segundo o relatório, que indica que o tráfico de pessoas é o terceiro comércio ilegal mais lucrativo que existe – após o contrabando de drogas e o de armas – essas mulheres são normalmente usadas na exploração sexual, obrigadas a fazer tarefas domésticas ou empregadas em trabalho abusivo em fábricas. Muitas delas morrem devido a essa “servidão”, em conseqüência da violência ou por contraírem doenças, como a aids. (Notícia apresentada pelos jornais de 6/9/2006)

Jovem suíça seqüestrada foge do cativeiro 10 anos depois. (Matéria de página inteira no Estado de S.Paulo de 10/9/2006).

Essas notícias têm em comum o fato de falarem de mulheres e da miséria humana. Mas o que justifica a diferença de espaço destinado a cada uma delas? Por que 70 mil mulheres – brasileiras – valem apenas um rápido registro e a jovem da Suíça vira quase um tratado psicossociológico?

O destaque dado à moça seqüestrada talvez se deva ao fato de que se trata de um crime de Primeiro Mundo. Ou porque a moça já virou celebridade. Ou simplesmente porque a história teve um final feliz. Tão feliz que, além de o seqüestrador ter optado pelo suicídio, a moça, ao que tudo indica, vai transformar sua tragédia em filme, virar estrela e, se não for feliz, certamente entrará para a nem tão seleta lista de celebridades que fascinam a mídia. Além disso, há o componente psicológico e a possibilidade de se tratar de mais um estranho caso de amor.

Afinal, trata-se de uma menina de classe média, loira, bem alimentada, articulada e bonita, que é notícia no primeiríssimo mundo.

Imagem trágica

Já o problema das mulheres que se prostituem, lá fora e aqui dentro, é apenas mais um problema social do Brasil envolvendo pessoas pobres e sem perspectiva de futuro. Discutir esse tipo de assunto é fazer os leitores enfrentarem uma realidade que tentamos esquecer: a de que nosso país não dá perspectivas de futuro aos jovens de classe média, quanto mais às mulheres pobres que nascem, crescem – e se não forem exportadas como prostitutas – vão morrer sem conhecer uma condição de vida que não a da miséria absoluta.

E, como sempre, alguém pode dizer que elas se prostituem por escolha – e não por falta de opção.

Cada vez que um organismo internacional ou uma ONG nacional apresenta estatísticas e discute o problema – na esperança de comover o público e motivar governos a tomar uma atitude –, a imprensa se limita ao registro frio. Os pauteiros de jornal podem alegar que isso não é novidade e que os leitores não se interessam. Os leitores, a acreditar no noticiário, estão mais preocupados em saber como anda a vida de Suzane Richtoffen na cadeia ou onde as socialites estão fazendo suas compras, já que a Daslu (o templo do luxo, segundo a própria mídia) está enfrentando sérios problemas para encher suas araras com grifes importadas.

Diante de notícias tão excitantes como a vida penitenciária de Suzane, o seqüestro no Primeiro Mundo ou os problemas financeiros da Daslu, quem vai se preocupar com as mulheres que forçadas a se prostituir no outro lado do mundo? De vez em quando, quando uma delas é presa ou morre no exterior, a imprensa acorda e dá uma matéria maior. Mas a grande matéria que é esse seqüestro em massa não rende mais que o simples registro. Afinal, não são duas nem três. Setenta mil pessoas é um grupo populacional maior do que o de muitas cidades brasileiras. Mulheres que, além da tragédia pessoal, representam uma verdadeira tragédia para a nossa imagem lá fora. Mas que a mídia insiste em ignorar.

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Jornalista