Em meio a uma corrida pela aquisição de agências brasileiras, acelerada no último ano, dois dos maiores grupos de publicidade do mundo, o britânico WPP e o francês Publicis, comandam hoje o setor no Brasil -em primeiro e segundo lugar na compra de mídia, respectivamente, segundo projeção da revista “Meio & Mensagem”.
O publicitário Nizan Guanaes, da agência Africa, não vê problema. “Sou totalmente a favor de um mercado aberto, global.” Outros publicitários não reagem assim.
Francisco José Moura Cunha Martins, da Artplan, diz que “o grande problema é que as contas hoje já vêm, todas elas, disputadas lá fora, o que cerceou demais o mercado para as nacionais”. Seria “quase um dumping”.
Sem acesso às contas das multinacionais, restam “os clientes nacionais, a maior parte em varejo, e brigar na esfera governamental”. E mesmo com o governo há dificuldades, pois o grupo estrangeiro “entra com quatro, cinco propostas”, de suas diversas agências, “enquanto a nacional tem uma só”.
Sergio Amado, presidente da Ogilvy no Brasil, do grupo WPP, reage: “Discordo radicalmente. As multinacionais no Brasil estão fechando contratos locais”.
Orlando Marques, presidente da Publicis Brasil, responde na mesma linha: “Os clientes têm muita autonomia no Brasil, para poder tomar a decisão e mandar a Publicis às favas se não for competente. Eu tenho que lutar diariamente para manter meus clientes; não é fácil, não”.
Outro temor é de uma eventual padronização na criatividade na publicidade brasileira, levantado pelo vice-presidente executivo da Fenapro (Federação Nacional das Agências de Propaganda), Humberto Mendes. “Não podemos deixar de ser os criativos que somos”, diz.
Marques responde que “não, pelo contrário”. E Amado exemplifica, dizendo que “o Brasil, nos últimos dois anos, voltou a ter um desempenho espetacular no festival de Cannes [de publicidade], que é o medidor de desempenho criativo no mundo”.
Sublinha que, “em talento, estamos até exportando, em cima de marcas mundiais criadas no Brasil”.
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Agência Africa se expande para os EUA
Diante de uma invasão estrangeira nas agências de publicidade brasileira, a agência Africa está em uma direção oposta.
A empresa está se expandindo para “Nova York, San Francisco, depois Londres, Hong Kong”, segundo o publicitário Nizan Guanaes.
“O mundo é um monte de oportunidades, acabou aquela história de centro”, diz.
Ele confirma que vem recebendo propostas de grupos estrangeiros.
“É natural que a gente seja abordado, quando é a última casa na praia. Mas não tenho nenhum interesse. Vou vender por quê? O Brasil que represento é um Brasil comprador.”
Sergio Amado, presidente da Ogilvy no Brasil, do grupo WPP, elogia o publicitário.
“Eu sempre celebro esse tipo de atitude de Nizan, de um concorrente, porque o Brasil precisa exportar esse tipo de tecnologia.”
Exportação
E destaca que a Ogilvy brasileira criou campanhas como a da Fanta, “exportada para 30 ou 40 países”.
Por outro lado, Guanaes anota que “o publicitário [de uma agência comprada] vai acabar voltando ao mercado, abrindo agência, porque tem demanda”.
Foi o que acelerou o investimento no mercado brasileiro, de acordo com Orlando Marques, presidente da Publicis Brasil.
“A orientação do grupo é: ‘O Brasil está crescendo? Eu quero avaliar as oportunidades’“, afirma o presidente da Publicis Brasil.
“E agora essa prioridade dos grandes grupos internacionais aumentou ao nível máximo”, acrescenta Amado, do WPP, citando a queda no crescimento do mercado publicitário na Europa e nos Estados Unidos, em contraste com os Brics. (Nelson de Sá)
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“É salutar ver a China se tornar o maior parceiro do Brasil”
Sir Martin Sorrell, presidente mundial do Grupo WPP, diz em entrevista que a prioridade ao Brasil não veio com a crise que abateu os países desenvolvidos, em 2008.
“O Brasil sempre foi central na nossa estratégia, como um dos Brics”, diz ele.
“Acreditamos no futuro do Brasil, mesmo antes de Lula carregá-lo em sua extraordinária jornada econômica de oito anos, jornada que tem prosseguido com a presidente Dilma Rousseff.”
Diz que o WPP está “comprometido com o crescimento do Brasil, em um mundo que muda cada vez mais para o Oriente, o sul e o sudeste”. Ele descreve a estratégia mundial do grupo como voltada para “novos mercados, novas mídias e compreensão do consumidor”.
Por novos mercados, entende os Brics e o bloco “Next 11”, os próximos 11 emergentes identificados também pelo banco Goldman Sachs.
Por novas mídias, a publicidade digital. Por compreensão do consumidor, o uso de tecnologia para negócios e análise de dados.
“São os três pilares de crescimento do WPP, e o Brasil é crítico em todos os elementos. Temos agora mais gente no Brasil, na Rússia, na Índia e na China do que temos tanto no Reino Unido como nos EUA”, afirma Sorrell.
Questionado sobre as áreas mais indicadas para crescimento, no mercado publicitário do país, responde: “Não conheço nenhuma que não seja! Tanto as multinacionais buscando entrar no mercado brasileiro como as empresas brasileiras que começam a invadir o mundo”.
Acrescenta que “é salutar ver a China se tornar o maior parceiro comercial do Brasil, no lugar da América”.
E que “a Copa de 2014 e a Olimpíada de 2016 são grandes oportunidades para confirmar a liderança do Brasil, assim como a China fez em Pequim em 2008 e a África do Sul fez na Copa de 2010”.
Questionado, diz não ver obstáculos ao desenvolvimento dos negócios no país, a não ser, eventualmente, “um crescimento hesitante ou recessão mundial ou o mundo revertendo ao protecionismo”.
Pelo contrário, o país “tem empresas vibrantes e em crescimento e um forte mercado de mídia, que está mudando com o desenvolvimento das novas mídias”.
Sobre o governo Dilma, diz que “está no início, mas parece dar continuidade às políticas positivas de crescimento de Lula”, embora “o recente colapso no mercado de ações e a ameaçadora crise internacional não ajudem”.
Mantém a avaliação de que “os Brics e os próximos 11 oferecem oportunidade sem paralelo -nos últimos 200 anos!- e que a desaceleração no Ocidente, nos EUA e na Europa só se amplificará”. (Nelson de Sá)
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“País mostra ser merecedor da confiança do investidor”
Maurice Lévy, presidente mundial do Grupo Publicis, afirma em entrevista que fez “um compromisso de impulsionar fortemente os investimentos no Brasil muito antes da crise”.
O país já passou de sexto a quinto mercado para o grupo, de 2010 para 2011.
“Até o final de 2012, planejamos tornar o Brasil equivalente ao nosso tamanho na China. Esse tipo de aprimoramento maciço é produto de planejamento estratégico de longo prazo.”
Entre os motivos, “é um país que mostrou ser merecedor da confiança do investidor”, com garantia de retorno, e que tem “enorme potencial para crescimento, tanto em um sentido macro como nos segmentos específicos em que temos capacitação muito forte”.
O potencial no setor digital “é espetacular, especialmente comércio eletrônico”, dados os custos de distribuição para lugares remotos do país, que podem ser cobertos melhor via internet.
O objetivo do Publicis é ter “a primeira ou a segunda agência digital do Brasil muito em breve”.
Questionado sobre as áreas mais promissoras no mercado publicitário brasileiro, responde: “Digital, digital, digital. Há potencial para publicidade tradicional, para análises mais sofisticadas de identidade de marca, administração de eventos e assim por diante. Mas a internet será o motor”.
O grupo tem “dois pilares estratégicos para investimento pesado”: digital, que representa 30% de sua receita global, e os emergentes de rápido crescimento, que representam 23%. “E quero levar a 30% até 2014.”, diz.
Ressalvando que “é importante não romantizar” os Brics, que têm problemas de distribuição de renda e de infraestrutura, Lévy diz, porém, que Brasil, Rússia, Índia e China “são chaves para a saúde do grupo”, com perspectiva que “excede vastamente” a das nações “que alguns chamam de desenvolvidas”.
Mas sua “onda de investimento maciço no Brasil está mais ou menos completa, e o desafio agora é alcançar uma integração suave das agências compradas e desenvolvê-las, mantendo ao mesmo tempo a cultura específica”.
Diz que o “foco agora vai mudar para China, Índia, Turquia e Indonésia”, buscando “posições sólidas” para ter rapidamente uma das três maiores agências em cada um dos países.
Diante da solicitação de uma avaliação do governo, responde: “Dilma Rousseff é uma mulher segura e ativa, com um trabalho difícil. Mas seria errado comentar sobre a política de um país que não é o meu. Tenho uma empresa para administrar, e administrar um país não é a minha tarefa”. (N. S.)
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[Nelson de Sá é articulista da Folha de S.Paulo]