Sunday, 17 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Na Amazônia, pior do que no Golfo do México

O New York Times tem a reputação de ser um dos mais confiáveis jornais do mundo. A questão do sigilo das fontes tem estado na pauta permanente das redações, e o NYT deu um passo corajoso, recentemente, decidindo impor aos seus repórteres que revelem suas fontes, internamente, as suas chefias ou editores superiores. Contudo, nunca ficou claro se esta medida envolve integralmente os artigos ‘Op-Ed’, editoriais de opinião assinados por articulistas invariavelmente conhecidos do público. No sábado (5/6), Dia Internacional do Meio Ambiente, um artigo publicado com destaque no topo direito da sua primeira página, reesquenta um processo antigo contra a empresa Texaco (fundida na Chevron USA) que seria o maior crime ambiental do mundo, cometido na floresta amazônica equatoriana, muito maior do que o acidente da BP no Golfo do México.

O artigo de Bob Herbert se refere ao processo judicial em curso contra a Texaco-Chevron. O caso traz à tona o assassinato de um advogado, acusações de implantação de notícia, lobistas de Washington, DC, e, outros detalhes que em grande parte renderam o roteiro para o documentário Crude, de Joe Berlinger, diretor, fotógrafo e jornalista.

Em 7 de maio último, o mesmo NYT publicou matéria que interessa não só aos jornalistas do mundo todo, posto que se refere à decisão judicial de revelação de fontes, mas a qualquer cidadão comum também, posto que, em termos de jurisprudência, abre um precedente perigoso e de difícil projeção.

Como parte de sua defesa, a Chevron demandou o acesso a 600 horas de filmagem do documentário Crude, do diretor Joe Berlinger, afirmando que ali haveriam provas de corrupção e má conduta por parte dos seus acusadores – supostamente os povos indígenas da floresta equatoriana. Joe Berlinger argumentou que seu trabalho estava protegido pelo privilégio de jornalista, o qual lhe garante o direito de não revelar as suas fontes ou divulgar material confidencial. O juiz Lewis A. Kaplan, da Corte Distrital Federal de Nova York, entretanto, concedeu à Chevron o acesso ao material. Segundo Kaplan, o jornalista realmene se qualifica para o tal privilégio, mas as condições deste caso que superariam este privilégio foram evidenciadas.

História contínua

Se for levado a sério pelos investidores da bolsa de valores, esse artigo fará despencar o valor das ações das empresas da indústria de petróleo, a começar pela Chevron; se for levado a sério pelos governantes, deflagrará uma corrida por aplicação das leis e regulamentações ambientais (existentes) que preservam a vida, a integridade física de humanos e animais e do meio ambiente; se for levado a sério por todos os cidadãos do mundo, os responsáveis por acidentes ambientais não ficarão mais impunes. Os mais céticos acham ingênua esta última previsão, mas ainda há pelo menos mais três a considerar:

Primeiro, é hora de virar os holofotes da imprensa para a atuação de advogados envolvidos em grandes causas, especialmente ações financiadas por eles mesmos. Segundo, nem o confiável New York Times deve ficar longe de nosso observatório crítico. Terceiro, esta questão da revelação das fontes é um nervo dilacerado e exposto que temos que tratar imediatamente, pois esta decisão em Nova Iorque significa algo que ninguém pode calcular de imediato para o jornalismo ‘pós Kaplan’.

A empresa Chevron USA mantém várias páginas online com relatórios detalhados sobre o caso e afirma que tudo não passa de ‘grandes mentiras’, implantadas na imprensa pela Relações Públicas Karen Hinton, (contactada durante este fim de semana por este observador) que atua em Washington, DC e contratada pela firma de advogados que originaram o processo, ao contrário de parecer que o mesmo partiu de indígenas equatorianos.

Há declarações publicadas online de advogados envolvidos no caso de que não se trata de um pro bono, situação em que advogados não cobram pelos serviços prestados, e sim uma expectativa lucrativa para a firma… Há também histórico de reportagens de um caso de assassinato de um advogado envolvido em processo contra a Chevron… Esta história continuará, leia mais aqui em breve.

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Desastre na Amazônia
Bob Herbert # reproduzido do New York Times, 4/6/2010; tradução de Luís Peazê

O comportamento calamitoso da BP no Golfo do México é a grande história do petróleo do momento. Mas por muitos anos, indígenas de uma antiga região intocada da floresta amazônica, no Equador, têm tentado compensação de uma empresa americana, a Texaco (fundida com a Chevron), para o que é descrito como a maior catástrofe ambiental de todos os tempos relacionada com petróleo.

‘Considerando horrível o derramamento do golfo, o que aconteceu na Amazônia foi pior’, disse Jonathan Abady, um advogado de Nova Iorque que faz parte da equipe de advogados que processa a Chevron em nome de habitantes da floresta amazônica.

Tem sido uma briga longa e feia e os resultados são incertos. Mas o que aconteceu na floresta amazônica é doloroso, embora não tenha recebido nem de perto a cobertura da mídia que recebe o derramamento de óleo da BP.

O que não está em disputa é que a Texaco operou mais de 300 poços de petróleo na melhor parte de três décadas numa vasta área do norte da região amazônica do Equador, ao sul da fronteira com a Colômbia. Grande parte dessa área tem sido horrivelmente poluída. As vidas e a cultura dos habitantes locais, que pescam nas intricadas aquavias e cultivam a terra, como faziam seus ancestrais através das gerações, têm sido impedidas de maneiras que levam à miséria generalizada.

A Texaco veio explorar o petróleo nesta delicada paisagem antiga no início dos anos de 1960, com toda a sutileza e graça de um exército invasor. E, quando ela saiu, em 1992, deixou para trás, de acordo com o processo judicial, contaminação tóxica generalizada que devastou a subsistência e tradições das pessoas locais, e um preço severo para suas saúdes e bem estar.

Um resumo da acusação dos reclamantes diz: ‘Ela (a Texaco) despejou deliberadamente muitos bilhões de litros de resíduos de produtos derivados das perfurações de petróleo diretamente em rios e igarapés da floresta amazônica, cobrindo uma área do tamanho de Rhode Island. Revirou mais de 900 aterros de resíduos do chão da floresta – aterros estes que até hoje liberam lixívia de resíduos tóxicos para o solo e águas subterrâneas. Queimou centenas de milhões de metros cúbicos de gás e resíduos de petróleo na atmosfera, envenenando o ar e criando ‘chuva negra’, a qual inunda a área durante as tempestades tropicais.’

Pela sua própria natureza, a busca pelo petróleo é colossalmente destrutiva. E as empresas gigantes de petróleo, quando deixadas ao sabor de seus próprios dispositivos, tratarão até mesmo as mais magníficas maravilhas da natureza como um esgoto. Mas as riquezas que são produzidas são tão vastamente corruptoras que os governos se recusam a impor tipos de fiscalizações rígidas e garantias que mitigariam os danos ao meio ambiente e habitantes humanos e animais.

Escolha um lugar. As famílias cujas vidas e cultura são dependentes da intrincada rede de águas navegáveis ao longo da costa do Golfo dos Estados Unidos estão em uma situação semelhante à dos povos indígenas arrasados pelo derramamento contínuo de óleo e pela poluição relacionada com o petróleo na floresta equatoriana. Cada um desses grupos está temeroso quanto ao seu futuro. Ambos têm sido tratados com desprezo.

As empresas de petróleo não se importam. A Shell não pode esperar para começar a perfurar no Oceano Ártico, ao largo da costa do Alasca, uma área que imporia problemas monumentais para qualquer um que vier a lidar com um derramamento catastrófico. As empresas disfarçam que os derramamentos não irão acontecer. Elas sempre dizem que suas operações de perfuração são seguras. Elas disseram isso, antes de perfurarem na costa de Santa Bárbara, na floresta amazônica do Equador, no Golfo do México e em qualquer outro lugar que elas perfuraram.

Suas garantias não significam nada.

O Presidente Obama suspendeu a permissão de perfuração da Shell no Ártico e parou temporariamente a chamada corrida do Ártico por petróleo. O que nós temos aprendido neste desastre da BP no golfo, e daqueles da floresta amazônica, e de tantos outros lugares, é o quanto as empresas de petróleo são imprudentes e incapazes quando se trata da garantia da vida, integridade física e meio ambiente.

Elas são perigosas. Elas precisam fiscalizações mais rigorosas, e sanções mais rápidas e severas para infrações sérias. Ao mesmo tempo, precisamos procurar alternativas viáveis de energia com muito, muito mais senso de urgência. Tratar a Amazônia, o Golfo e o Ártico como se fossem nada mais do que sítios de resíduos tóxicos é uma afronta ao planeta e a todas as formas de vida que nele habitam.

A Chevron não acredita que deve ser chamada para prestar contas sobre os pecados que a Texaco tenha cometido na Amazônia. Um porta-voz me disse que as alegações de danos ambientais foram imensamente superestimadas e que, mesmo que a Texaco tenha causado alguma poluição, ela já fez a limpeza e chegou a um acordo com o governo equatoriano, o qual excluiu a sua responsabilidade.

Os residentes indígenas podem estar sofrendo (estão em situação muito pior do que as pessoas na costa do Golfo), mas o povo lá da Chevron-Texaco se sente muito bem. O dinheiro foi ganho, e o lixo foi deixado para trás.

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Escritor e jornalista, dirige a Clínica Literária