Ao analisar a derrota da deputada Ségolène Royal, insistentemente catalogada pela imprensa mundial como ‘a primeira mulher com chances reais de chegar à Presidência francesa’, a imprensa esqueceu de levar em conta um fator elementar: o de que as mulheres não são seres de segunda categoria esperando por um Messias de saias. Especialmente em países em que os partidos têm ideologia e seus eleitores, também.
A imprensa esqueceu que já faz tempo que as mulheres têm uma efetiva participação política (maior ou menor, conforme o país), que existem várias chefes de Estado que estão fazendo bons governos. Esqueceu que, conquistado o direito de votar e ser votada, a mulher começou a exercer seus direitos em igualdade com os homens e escolher seus candidatos pelas propostas, e não pela aparência ou sexo.
A ‘tradição’ masculina
Fica até difícil, para o leitor brasileiro, entender que – lá fora – carisma, charme, biografia e o sexo do candidato são fatores secundários quando se trata de escolher um líder nacional. Estes fatores pesam, mas não são decisivos. Se a proposta do partido não for a que interessa no momento, os eleitores dirão não. Fica difícil para nós, brasileiros, entender que os partidos lá fora têm consistência e posições claras e que quando a imprensa fala em centro, direta e esquerda, está falando de propostas de atuação que vão ser efetivamente cumpridas.
E o leitor mais preconceituoso pode até achar que os franceses preferiram o candidato Nicolas Sarkozy porque era homem. E, o que é pior, vai acreditar que se os franceses – com toda sua história e tradição política –, ao escolherem um homem, sabiam o que estavam fazendo. O leitor brasileiro, desiludido com a política, vai acabar achando que as mulheres não devem mesmo se meter em áreas tradicionalmente masculinas.
Ideologia e sexo
Como disse Denise Frossard, candidata derrotada ao governo do Rio de Janeiro nas últimas eleições: ‘O Congresso ainda é um reduto de machos. Isso eu falei numa homenagem às mulheres na Câmara dos Deputados no dia 8 de março de 2006’ (entrevista a Marília Gabriela no canal GNT, 6/5/2007).
No Brasil, os partidos políticos são obrigados, por lei, a ter 30% de suas vagas – em eleições – preenchidas por mulheres. Uma tentativa de abrir espaço às mulheres que não deu os resultados esperados, pois menos de 10% do Congresso é constituído por mulheres. E, entre estas, são poucas as que ganharam destaque, como a juíza Frossard ou a senadora Heloísa Helena, abrindo mão de seus mandatos para concorrer a cargos maiores.
Derrotadas, ambas vão fazer falta no Congresso, cada vez mais desacreditado. Vão fazer falta, principalmente porque são mulheres que assumem posições claras – com as quais a gente pode até não concordar – e mostram uma dignidade que pode nos levar a acreditar que se as mulheres mandassem no país as coisas seriam diferentes.
Seriam diferentes: foi o que acreditaram os gaúchos ao eleger Yeda Crusius para governar o Rio Grande do Sul, surpreendendo o resto do país. Naquele momento, também a imprensa falhou na análise. Fixou-se apenas no fato de os gaúchos terem escolhido uma mulher como governadora, sem levar em conta que, entre os estados brasileiros, o Rio Grande do Sul é um dos mais politizados e que lá, como na França, o que conta é a ideologia.
Yeda ganhou porque representava uma idéia. Ségolène perdeu porque representava uma idéia. O fato de serem mulheres é apenas um detalhe.
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Jornalista