Wednesday, 25 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Na redação de Cesare Borgia

A garota novata entra no ambiente e recebe mais elogios por sua aparência do que qualquer conhecimento que tenha, enquanto o experiente idoso é visto como um produto velho que deve ficar guardado para não perturbar o ritmo do trabalho dos mais jovens. Completam a cena gritos proferidos da boca de alguns capatazes e vozes sussurrando sobre ‘pedir a cabeça’ de alguém.

A cena acima descreve o que passam muitos jornalistas – nem todos têm tratamento tão deprimente – convivendo em redações que se assemelham cada vez mais com os traços negativos apontados nas disputas de poder pelo filósofo italiano Nicolau Maquiavel em seu opus magnum, O Príncipe. No mundo moderno, Cesare Borgia reencarnou chefe de redação.

Existem chefes pensando como príncipes e deixam diversas injustiças impunes, enquanto aqueles que o cercam se comportam como nas cortes renascentistas, trazendo consigo um jogo beligerante e traiçoeiro de poder pelo poder. É irônico e decadente ver jornalistas ávidos por vantagens e ‘puxadas de tapete’ falando ao público sobre ética.

Status de semi-deus

Porém, esses citados acima, que utilizam Maquiavel para ‘governar’, não compreenderam sua obra e acabam se dedicando a um estilo ‘maquiavélico’, e não ‘maquiaveliano’, como defende o filósofo José Antonio Martins, da Universidade Federal de Maringá, no Paraná, que mostra o lado republicano do pensador e sua preocupação com a não opressão da plebe – o que não é necessariamente sua plena ascensão.

Como mostra Martins, Maquiavel não tem apenas o lado interpretado como negativo – infelizmente demasiadamente ressaltado –, mas também há nele uma face preocupada com a plebe, ou ao menos não esmagadoramente opressora com esta. De forma degenerativa, chefes de redação que se inspiram nos aspectos destrutivos da obra acabam vítimas da própria ânsia de poder.

O líder preocupado com o equilíbrio entre os funcionários abaixo de si na hierarquia e a manutenção do poder da alta cúpula, sem ceder-lhes status de um semi-deus, se manterá por mais tempo nas redações, pois apresenta um estilo mais maquiaveliano do que maquiavélico, conciliando todas as partes.

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Jornalista e mestrando em Jornalismo, São Paulo, SP