Ao passar em frente a uma banca, deparo com a edição de número 6 da revista Alfa Homem. Na capa, Chico Buarque me encara com seus olhos de ardósia. A manchete, ‘A Volta do Malandro’, anuncia a gravação de um novo disco. Quanto custa a Alfa?, pergunto ao jornaleiro. Dez reais, ele responde. Pago o valor, pego a revista e começo a ler assim que entro no ônibus.
Decepção. Eis a melhor palavra para descrever meu sentimento de leitor traído. Até que a nova revista masculina da Abril é bem diagramada, com belas fotos e textos bem escritos sobre variados assuntos. Mas, pelo amor de Deus, colocar Chico Buarque na capa e não dizer nada de novo sobre ele é, no mínimo, covardia.
Sou fã do Chico desde a adolescência – eu e metade do Brasil. Tenho quase todos os seus discos, li todos os seus livros, guardo a sete chaves o autógrafo numa edição da Ópera do Malandro, publicada pelo antigo Círculo do Livro. Li muita coisa publicada sobre ele, inclusive as críticas excessivamente generosas ao escritor cujo sucesso muito se deve à fama de cantor popular.
A reportagem de Alfa, com fotos de Walter Carvalho e assinada por Regina Zappa, não traz nenhuma informação que possa merecer capa (a rima, nesse caso, é intencional). A não ser a notícia de um novo CD, que deve ser gravado a partir de abril ou maio. Péra lá, se o coqueiro dá coco e o limoeiro limão, é pra lá de natural que o cantor-compositor mais talentoso do país esteja planejando gravar mais um disco. Principalmente depois do sucesso do último livro, já que tem o hábito de intercalar a produção literária com a musical.
‘Sex symbol com mais de 60 anos?’
Pensei que nas páginas seguintes a reportagem brindaria o leitor com trechos de letras inéditas, mas nem isso. O texto previsível mais parece release de assessoria. Repete o mote das caminhadas do artista pelas ruas e pelo calçadão do Leblon, sua paixão pelo futebol, a relação afetuosa com São Paulo, os apês no Rio e em Paris, o esforço para não deixar a fama solapar a privacidade, o convívio com a ex-mulher, filhas e netos. Às vésperas do carnaval, a folia sequer é cogitada. Tampouco a Copa de 2014.
Por coincidência, temos aí a polêmica em torno das primeiras medidas tomadas pela ministra da Cultura, Ana de Hollanda, que, não por acaso, é irmã do Chico. Ele, todo mundo sabe, é amigo de Lula e apoiou a candidatura oficial. No entanto, metade dos artistas que votaram na presidenta Dilma tem detonado a ministra – injusta e precipitadamente, diga-se de passagem. O X da questão é a Lei de Direitos Autorais, mas Zappa nem toca no assunto. E olha que o cantor-compositor foi um dos que mais lutaram pela moralização autoral da MPB.
Como se não bastasse tanta falta de notícia, a revista traz um texto assinado por Caco de Paula. O articulista praticamente pede desculpas ao leitor pelo fato de Chico continuar se dizendo de esquerda em tempos de globalização e ainda ser complacente com ditadores como Chávez e Fidel. Realmente, no Brasil, patrulha ideológica só é tolerada se exercida pelos petistas. No entanto, cidadão livre e vacinado, Chico pode apoiar quem quiser. O que conta mesmo é sua obra magistral.
Para fechar com ‘chave de ouro’ a reportagem de capa, Alfa chama para o seu site, no qual o leitor poderia lembrar trechos de sucessos do artista, que posa numa foto de página inteira com a legenda: ‘Sex symbol com mais de 60 anos? Tenha paciência!’ Tenha paciência o editor, pois essa é de 20 anos atrás, quando Chico era quase um cinquentão.
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Escritor e jornalista, Belo Horizonte, MG