No dia 7 de setembro, as emissoras européias de TV transmitiam o filme feito pelos terroristas sobre o horror em Beslan, no qual pode ser visto o menino de camisa branca com as mãos atrás da nuca em sinal de rendição.
No dia seguinte, o jornal la Repubblica ocupava sua primeira página também com o terrorismo, só que este havia mudado do Cáucaso e retornava para a Mesopotâmia. Duas voluntárias italianas haviam sido seqüestradas no Iraque. As duas têm a mesma idade (29 anos) e o mesmo nome, Simona. O enviado do diário Massimo Dell’Omo nos dá um perfil de ambas.
A primeira Simona Torreta é de Roma, há um ano é responsável pelo projeto ‘Farah’, (esperança) em colaboração com o Unicef (The United Nation Children Fund), para a instrução dos meninos nas escolas de Bagdá e Bassora. A outra é Simona Pari, jornalista e publicitária de Rimini, e trabalhava para o mesmo projeto. Ambas pertenciam à organização não-governamental ‘Un ponte per…’ (uma ponte para).
A presença dos italianos no Iraque tem sido, no mínimo, traumática. Primeiro foram os soldados mortos em um atentado com carro-bomba; depois quatro guarda-costas foram seqüestrados e um foi morto; há poucos dias houve o seqüestro e assassinato do jornalista Enzo Baldoni (veja abaixo remissão para o artigo ‘A mãe dos imbecis’) e em seguida acontecia o caso das duas voluntárias.
Alguns segmentos da sociedade italiana eram bastante tolerantes com o terrorismo, mas o choque de Beslan e a morte de reféns italianos começou a dar uma outra visão sobre o problema, inclusive na mídia e nos meios políticos de oposição.
A televisão segue sempre a mesma rotina: mostra o local do seqüestro, parentes e amigos das vítimas, os textos mudam diariamente mas as imagens são sempre as mesmas. No final fica-se sabendo, como sempre, nada. As manchetes nos jornais são significativas: ‘Itália, apelo ao mundo árabe’, ‘Islã na praça, pelas seqüestradas’. O ministro do Exterior vai até o Kuwait e, na volta, declara: ‘Agora espero os resultados’.
Círculo vicioso
Por meio de mensagens via internet, confiáveis e desconfiáveis, os ‘seqüestradores’ a cada dia emitem um ultimatum diferente. Em 20 de setembro. um refém americano é decapitado, há um filme da cena, mas não vai ao ar, numa espécie de autocensura. No dia seguinte é executado outro americano e lançada a ameaça de justiçar um refém inglês. Das italianas sabe-se somente que foram seqüestradas por uma quadrilha de malfeitores e vendidas a um grupo de guerrilheiros islâmicos. O resto é puro mistério ou conjectura.
Na quinta-feira (23/9), chega a notícia por intermédio de Ansar Al Zawahiri, o braço direito de Osama bin Laden: ‘Matamos Simona Pari e Simona Torretta, com uma faca e sem piedade’. O governo italiano põe em dúvida o comunicado e pede cautela. No dia 27, la Repubblica noticia que as italianas estavam vivas e que o caso será resolvido até sexta. Mas solução é antecipada: no dia 28, depois de três semanas de cativeiro, as moças são liberadas.
Sobre o fato, escreve, sempre em la Repubblica, Giuseppe D’Avanzo (29/9), sob o título ‘Assim foi pago o resgate pelas duas italianas’: ‘O resgate foi pago e não devemos nos envergonhar’. Continua contando que o governo italiano pagou inicialmente 500 mil dólares e, depois de certificar-se que a reféns estavam vivas, pagou outros tantos. Antes disso, o emissário do governo havia recusado qualquer tratado político e nenhuma retirada de tropas italianas poderia ser negociada.
Os seqüestradores por seu lado, colocaram-se numa armadilha armada por eles: politicamente a empresa estava falida e teriam que avaliar as reações dos membros da ‘diáspora’ islâmica na Europa. Os emigrantes seriam suspeitos, seriam desprezados e discriminados, a partida política estava perdida. Os reféns são mulheres indefesas, nunca deveriam tornar-se mercadoria de escambo, mas assim foi feito – dos 5 milhões de dólares pedidos pelo resgate pagou-se 1 milhão. Negócios.
As moças foram liberadas, tudo poderia terminar no princípio shakespeareano ‘all’s well that ends well’ (tudo bem quando termina bem). Mas não é bem assim. Giuseppe D’Avanzo não explicou se o resgate incluía a liberação para as duas iraquianas que também estavam prisioneiras, e também não explicou a ligação do rei da Jordânia com os seqüestradores, pois logo depois da intervenção deste é que se deu a liberação.
Ficou faltando o principal: na Itália, existe uma lei que bloqueia imediatamente os bens da família de qualquer seqüestrado – foi esta a forma de dar um basta a crimes desse tipo que vinham sido cometidos com freqüência pela Máfia. Se existe essa lei, como o governo italiano pagou o resgate, mesmo que tinha sido num outro país? Sabe-se que o dinheiro do resgate servirá para levar avante a indústria do seqüestro que trará mais dinheiro, criando um círculo vicioso. Certamente não é por aí que não devemos nos envergonhar.
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Jornalista