A Veja deu um exemplo de até onde vai o jornalismo quando o interesse é agradar a leitores em busca do fútil. Publicou que o cantor e compositor Chico Buarque banhou-se no mar de Leblon, no Rio, acompanhado de uma jovem mulher casada, ‘que tem dois ou três filhos’, segundo a revista. Trocaram carícias em público. E o marido traído ameaçava matar o ícone da MPB.
Assessores de Chico apelaram para que a notícia não fosse veiculada, alegando a privacidade a que o cantor teria direito, além da situação constrangedora e perigosa em que se metera.
A notícia saiu primeiro na revista Contigo! (Editora Abril), e Quem (Editora Globo), duas expoentes do jornalismo de entretenimento.
O Estado de S.Paulo publicou a história com foto na primeira página. A Folha de S.Paulo deu na coluna social em 20% da edição e tirou-a do restante após os telefonemas dos assessores. O ombudsman da Folha escreveu que deve haver espaço para esse tipo de assunto desde que a história valha a pena ser contada. ‘Mas não vi isso nas fotos de Chico’, registrou.
Ataque ao Globo
Veja explorou o fato em duas de suas preciosas páginas com fotos do suposto romance proibido, numa matéria cheia de dúvidas e sem o contexto indispensável a uma revista semanal.
A mulher aparece de frente, e com trajes de banho, mas não se sabe o nome, o que faz, de onde veio e por que estava ali. O casal já se conhecia? Quem ela é? Há antecedentes? Era algo ocasional? Seriam apenas amigos? Seria ela uma fã aventureira, como tantas outras que cercam artistas objetos do desejo? O que seriam os ‘carinhos fogosos’? O marido seria realmente ‘violentíssimo’, como publicou a revista, sem ouvi-lo e sem saber quem é? Detalhe: dias depois, o marido deu entrevista dizendo que o casamento é do tipo aberto e que perdoava a mulher.
Como se não bastasse a obsessão pelo escândalo, Veja foi muito além. Criticou e ironizou os que não publicaram a história que ela achou interessante. O título da matéria é ‘Operação abafa’ e o subtítulo diz: ‘Curiosamente, houve jornalistas que não viram notícia nisso’.
Pois bem, eu sou um dos editores que não viram notícia nisso. No dia do suposto fato relevante, e antes de toda a polêmica provocada pela Veja, orientei a não dar nada sobre o assunto, com base em princípios jornalísticos, e porque temos assuntos muito mais importantes para nos preocupar por aqui do que dar espaço a pseudofato arquitetado por paparazzi em praia do Rio.
O ataque de Veja dirigiu-se ao jornal O Globo. O diretor de redação do jornal carioca, Rodolfo Fernandes, declarou que ‘não é o que o leitor procura para ler no jornal, por isso decidimos não publicar. Isso independe de ser o Chico ou não, faz parte de nossa linha editorial’. Veja deu essa explicação e em seguida insinuou cumplicidade do jornal com o cantor ao informar que o diretor freqüenta o campinho de futebol de Chico Buarque.
Boa fonte
A revista não se conteve em exercer o seu direito de interpretar o que é notícia, e no caso propiciá-la aos seus leitores. Exagerou ao debater o comportamento da imprensa num tema, convenhamos, de nenhum interesse público.
Pior: discutiu com a premissa autoritária de que a imprensa deve adotar o pensamento único, convergente à sua linha editorial. Para Veja, é a Veja quem sabe o que é notícia ou não. A revista não tem tido a preocupação de se comparar com os jornais e revistas em questões que realmente importam. O que está por trás de tudo isso é a rendição da mais importante revista brasileira semanal de informação a um tipo de jornalismo supérfluo. É uma clara estratégia de marketing que visa conter a queda de leitores que atinge publicações impressas do mundo todo.
O paradoxo é que essa postura tem sido a causa de acentuada redução do número de leitores nesses mesmos veículos. A banalização também vende, é claro, mas torna os veículos que fazem essa aposta cada vez mais dispensáveis e, por isso, pressionados a gerar cada vez mais banalidades. É o que ocorre também com Veja.
Há quem acredite que a fofoca é cultura, pois revela o modo de vida dos famosos. Para uma análise acadêmica e sociológica sobre o mundo das celebridades, até que seria uma boa fonte. Mas como utilidade para o cotidiano das pessoas de nada servem. A não ser alimentar conversas inconseqüentes no cabeleireiro. Se essa é a intenção, Veja acertou.
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Jornalista, editor-chefe da Folha da Região, de Araçatuba (SP)