Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Natal na mídia regado a vinho com panetone

Recentemente, eu e outros colegas comentamos aqui no Observatório o desserviço do Correio Braziliense sobre a cobertura do ‘panetonegate’ de Brasília. Contudo, o tempo passa, o Natal se aproxima e o que vemos, perplexos, é que a situação só piora: dentro e fora do DF, a dita liberdade de expressão e o dever de falar a verdade são totalmente corrompidos pelo vil metal.

A capa do Correio Braziliense de 11/12, foi maculada por uma suposta artimanha pró-Arruda: abaixo da manchete sob o desligamento do governador do DF, do partido DEM, o jornal brasiliense colocou uma estratégica chamada: ‘Visão do Correio‘. Digno de nota, o texto traz a seguinte pérola: ‘Sensata, a desfiliação abre caminho para o fim da grave crise no DF’.

Impressionante. Não me recordo de alguma vez ler na capa do diário da capital do Brasil uma síntese de editorial e, ainda mais, defendendo o governador atolado em denúncias, e ainda por cima servindo de arauto aos desejos dos envolvidos, com a sentença do início do fim da crise. Mas como? A crise mal começou: os secretários envolvidos, com exceção do delator, Durval Barbosa, foram apenas afastados e não demitidos; os contratos irregulares continuam em vigor; o próprio governador ainda não conseguiu se explicar; o vice, Paulo Octavio, estrategicamente não aparece e aparentemente embala nos bastidores sua assunção ao cargo de governador; há indícios que ligam Ministério Público, Procuradoria do DF e Tribunal de Justiça aos esquemas ‘Arrudistas’; indícios de comprometimento de veículos de comunicação (incluindo-se aí o próprio Correio) e produtoras de vídeo com contratos mal explicados, enfim, uma enxurrada de assuntos por tratar. E aí fica a pergunta: como falar agora em início do fim da crise no DF?

Posando como grande estadista

A Polícia Militar reprimiu com excesso de força a uma recente manifestação pacífica de brasilienses revoltados com tanta sujeira. Mostraram as patas dos cavalos contra os manifestantes. Que tempos são esses? Fez-me lembrar daquele famoso estudante anônimo que enfrentou os tanques de guerra, em 5 de junho de 1989, após o final do massacre da Praça da Paz Celestial.

Também, no dia 11/12, o Correio trouxe outra pérola: ‘A tropa da paz nas ruas’. O título foi escrito para ‘explicar’ que, um dia após os protestos, a PM acompanhou nova manifestação, só que dessa vez ao largo, sem uso de força física. Mas isso não é paz, é remorso, é medo de serem expostos novamente ao mundo todo como despreparados e/ou apoiadores de práticas violentas. Não digo que a honrosa corporação assim o seja. Temos orgulho da PM do Distrito Federal, contudo as imagens daquele dia mancham anos de bons serviços…

Fora do DF, ficamos sem saber por que o Programa do Jô excluiu o quadro ‘As meninas do Jô’. Lílian Witte Fibe, Ana Maria Tahan, Cristiana Lobo e Lúcia Hippólito teriam um prato cheio para nos servir, comentando o que se passa nesse momento com as imbricações da operação Caixa de Pandora. Não tivemos sequer um motivo apresentado por quem quer que seja. Lúcia Hippólito, por sinal, também não aparece mais diariamente, às 7h55, na rádio CBN. Foi mudada de horário e o âncora, Heródoto Barbeiro, nada comunicou aos seus fiéis ouvintes.

A revista Veja trouxe uma capa sobre o escândalo recente da política brasiliense, mas não mostrou, como costuma fazer em outras ocasiões, o nome de Arruda na capa. O título é impactante, mas pára por aí: ‘O Natal dos corruptos’. A matéria bate forte em Arruda, mas a capa não. E quanto a Paulo Octavio, ele aqui também se vê poupado. Acho coincidência. Afinal, como escrevi em meu artigo do dia 01/12 (‘A mídia de joelhos no DF’), a Veja recebeu milhares de assinaturas do GDF, coincidentemente na mesma época em que o governador, ex-DEM, posou como um grande estadista que deu a volta por cima, no espaço de destaque, as famosas ‘páginas amarelas’.

Belas e distantes palavras

E quanto ao presidente da Câmara dos Deputados e presidente licenciado do PMDB, Michel Temer, o líder do partido na Câmara, Henrique Alves, e outros membros do PMDB, citados em vídeo como supostos recebedores de ‘mesadas’ de Arruda, no aparente esquema de derrubada de Roriz do PMDB brasiliense? Na cidade, essa informação era repassada em rodas de conversa. Falava-se isso, aqui e ali. Verdade ou não, há que se investigar para saber. Contudo, a mídia tem sido muito compreensiva em relação a esses senhores. Alves usou o plenário para se explicar e mostrar uma suposta indignação. Temer aproveitou o embalo do ‘companheiro’ e refutou tais informações. E a mídia parece assistir com cara de paisagem. Tudo isso faz a gente pensar.

O Natal se aproxima e o mister da carreira jornalística sofre abalos preocupantes. Nossa ética parece realmente estar à venda. Parece que temos preço e etiquetas à mostra. Nas redações, a angústia, a necessidade de sobrevivência: manda quem pode, obedece quem precisa.

Recebi manifestações ainda sobre meu texto sobre a mídia do DF de colegas de várias partes do país, em especial de cidades do interior do Brasil. Em geral, afirmavam que o que se passa em Brasília é prática diária nas pequenas cidades, onde a mídia anda com o pires na mão e veículos são abertos e fechados diuturnamente. Os ‘afortunados’ vendem a alma, mas garantem salários, aluguel e o pão de cada dia.

Lembro-me dos textos de Marx sobre a liberdade de imprensa. Em um deles, o filósofo alemão defendia que ‘a função da imprensa é ser o cão de guarda, o denunciador incansável dos opressores, o olho onipresente e a boca onipresente do espírito do povo que guarda com ciúme sua liberdade’. Ainda de Marx relembro: ‘O dever da imprensa é tomar a palavra em favor dos oprimidos à sua volta. O primeiro dever da imprensa é minar todas as bases do sistema político existente.’

Belas e distantes palavras. Que venha o Natal, a ceia e o panetone.

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Jornalista, radialista, diretor de redação da revista Fale! Brasília