Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Nem lobisomem, nem jacaré: homem com homem e mulher com mulher

A última apresentação do Globo Repórter, da Rede Globo, que abordou o tema amor e paixão, deve ser cuidadosamente avaliada por todos aqueles que buscam um mundo onde a alteridade seja sempre respeitada e, mais que isso, acolhida. Esse chamado à reflexão a respeito da edição de sexta-feira (14/12) desse programa se deve ao fato de que, ao discutir o amor e a paixão, todas as ilustrações ou exemplos foram feitos com casais heterossexuais, isto é, casais formados por um homem e uma mulher.

Com a decisão de apenas exibir amores e paixões entre casais héteros, há (de forma sutil?) uma sustentação da idéia essencialista de que as práticas sexuais e afetivas são programadas biologicamente e que assim somente devem acontecer entre um homem e uma mulher (sexos opostos). Pois, caso contrário, como confirma a lenda popular, homem com homem vira lobisomem e mulher com mulher, jacaré. Assim, ao mesmo tempo em que evidencia os amores e paixões heterossexuais, essa posição global nega pelo apagamento os amores e as paixões entre pessoas do mesmo sexo, sejam homo ou bissexuais.

Por isso, não podemos simplesmente acreditar que essa atitude assumida pela emissora é simples e sem conseqüências para a vida em sociedade. Ao contrário, o Globo Repórter, assim como toda prática discursiva, informa, significa e age socialmente. Ou seja, esse programa influencia os nossos jeitos de pensar e compreender o mundo. Neste caso, sustenta os fortes valores que postulam a heterossexualidade como o único jeito de ser masculino e feminino.

Todos amam

Sabemos que a posição ideológica do programa não é tão visível como outras práticas que rejeitam as relações sexuais, afetivas e eróticas que fogem à regra da heterossexualidade – aquelas entre homens e homens e mulheres e mulheres. Contudo, é importante considerarmos as proposições de vários estudos de linguagem que afirmam que os efeitos ideológicos menos visíveis possuem ações mais efetivas, visto que agem pela ‘inconsciência’ dos sujeitos.

Pelo exposto e com o objetivo de desestabilizar as crenças que impedem outros modos de ser e bloqueam inúmeras possibilidades de amar, sugerimos entender que os efeitos provocados por essa edição do programa citado não são simples e vão além das questões sexuais e afetivas dos sujeitos, podendo ter reflexos em toda a vida, pois estão relacionados às questões de cidadania. Desta forma, propomos que olhemos para a paixão e o amor não como exclusividades da heterossexualidade. Isto é, devemos entender que os homossexuais e os bissexuais também amam. Todos amam.

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Doutorando em Letras (PGLetras/UFPE – 2008) e Mestre em Estudos de Linguagem (MeEL/UFMT)