Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Neo-poder multilateral exige nova imprensa

Domenico de Masi, no domingo (09.11), disse, em entrevista ao repórter Roberto D´Ávila, em Conexão Internacional, que deixou de ler jornais. Prefere o rádio. Na Itália, destacou, a profissionalização radiofônica é fantástica. O ouvinte dispõe de programação ampla que supre todas as necessidades dos que desejam se informar e se divertir.

Por que os jornais deixaram de interessá-lo? Tornaram-se repetitivos em excesso. Ler um é ler todos. Pão de queijo sem queijo. Não suprem mais necessidades de espíritos mais exigentes. Não possuem fôlego para maiores mergulhos, temerosos de não conseguirem voltar à tona.

O lastro deles é comum. Uma mesma argumentação para uma problemática complexa, como se a uniformização e homegeneização fossem verdades do processo social.

Fazem o que Keynes fez com a economia: redução da unidade de salário relativamente à unidade de trabalho, de modo que o aumento do nível de emprego lance impressão de distribuição de riqueza a partir do sentido homegeneizador da realidade. Ilusão, safadeza.

É isso. Os jornais, essencialmente, têm um projeto editorial comum, isto é, homogeneizar a consciência social, como se a sociedade capitalista não fosse dividida em classes sociais antagônicas em seus interesses econômicos constrastantes.

Não há por que discutir

Se o aumento de uma unidade de salário a menor para uma unidade de trabalho a maior proporciona elevação do nível de emprego, homogeneizam-se os interesses, como se a média fosse a verdade, e não as diferenças concretas dada pela realidade.

Um editorial do Estadão, da Folha, do Globo, por exemplo, é uma só pasta sem sabor, insossa. Onde estão as diferenças humanas, dadas pelas características sociais determinadas pelo desenvolvimento do capital em sua caminhada rumo à sobreacumulação, à formação das bolhas especulativas e, conseqüentemente, à explosão das expectativas super-dimensionadas?

Não foi possível, desde setembro até agora, quando estourou a crise, jogando o sistema capitalista para o ar, ler nos jornalões uma resenha crítica decente do capitalismo em sua essência autodestrutiva. Fugiram da verdade como o diabo da cruz.

Por que?

Evidentemente, porque os jornais, sensaboria nenhuma em suas linhas editoriais tortas e alientadas, não se mostraram dispostos a ser verdadeiros relativamente aos leitores. Tentam não formar, mas desinformar opiniões, eternizando-se em suas próprias contradições.

Quando tudo estava, teoricamente, dando certo, não tinha o que discutir. Quando, agora, tudo, praticamente, dá errado, não há por que discutir. Nem po-den-do, como diz o humorista global.

Fetichismo exposto à desmoralização

Os teóricos mais abalizados, como Keynes, por exemplo, destacaram que o negócio não é a verdade, mas a utilidade; por isso, o essencial é fingir. Fernando Pessoa foi na mesma linha ao destacar que o ser humano é um fingidor nato. O autor de Teoria Geral do Juro e da Moeda fingiu, mas não conseguiu esconder de todo a verdade, que não se vê nos editoriais do poder midiático.

O lastro real das relações de troca, na economia monetária, dado pela moeda fictícia, disse, deixou de ser convenientemente riquezas reais, palpáveis, para ser a construção abstrata da taxa de juro. Isso está claro na entrevista que ele deu ao repórter e economista Santiago Fernandes, do Jornal do Brasil e do Banco do Brasil, em 1944, em Bretton Woods, transcrita em A Ilegitimidade da Dívida Externa do Brasil e do III Mundo, editora Nórdica, 1985.

Vale dizer, os países ricos, vencedores da guerra, com os Estados Unidos à frente, ditaram o poder através das suas moedas na fixação da divisão internacional do trabalho. Emprestadas a juros, elas fixam o que Marx chamou de dominação internacional por meio da dívida externa.

A deterioração dos termos de troca é estabelecida, então, não a partir do poder das mercadorias em si, mas da sua representação fictícia – fetichismo das mercadorias –, imposta ideologicamente pelo poder monetário dominante. Promove trocas fixando senhoriagem cobrada pelo poder emissor.

Mas agora, quando se vê que esse fetichismo está exposto à desmoralização total, os economistas que fazem a cabeça da grande imprensa não ressaltam que a deterioração dos termos das relações de troca se vira pelo avesso, com o poder se deslocando das moedas para as mercadorias.

Deflação e inflação

Ficou clara essa jogada quando os árabes, antes do estouro da crise destrutiva em curso, decidiram subir o preço do barril de petróleo, cotado em dólar, para pagar importações cotadas em euro, como forma de compensação por perdas cambiais. Impuseram a inflação que, na desaceleração, ameaça virar deflação.

Evidenciou o óbvio: a moeda fictícia não é o poder, mas sim, a mercadoria de que todos necessitam a partir de uma ação política do cartel do petróleo.

Assim, o Brasil – e a América do Sul –, por exemplo, que tem todas as mercadorias disponíveis em relativa escassez, que eleva o preço para atender a manufatura mundial, relativamente abundante, em razão do desenvolvimento científico e tecnológico, que aumenta a oferta e diminui, conseqüentemente, sua cotação, disporia de vantagens comparativas no novo cenário de destruição da moeda pela especulação desenfreada na sobreacumulação de capital.

Por que não se discute isso na grande mídia, dominada pelo poder monetário fictício?

O espaço está aberto para o novo debate, no momento em que o G 20 se transforma no neo-poder multilateral global. FHC, em recente encontro do PSDB, em Brasília, destacou esse novo perfil do capitalismo global, no contexto da desmoralização da ficção monetária. Inverteram-se os termos das trocas cambiais no plano da superação do unilateralismo ditado pelo dólar que, afetado pelos déficits americanos, sinaliza incapacidade de continuar sendo, sozinho, o equivalente monetário global. Sua expressão real, agora, é uma só: deflação, para os ricos, e inflação, para os pobres.

Combate à guerra interna

Mas, quem vai discutir, senão a imprensa, que não deseja essa discussão, mas tão somente a eternização de conceitos que o vendaval financeiro destruiu?

Uma nova imprensa é reclamada, urgentemente, pelos novos tempos. A que está aí poderá ser ultrapassada porque não atende à sede de exigência imposta pela nova correlação de forças que emerge dos escombros de uma velha ordem que se esvai.

Certamente, o caos terá que se aprofundar até não poder mais, para que da terra arrasada saiam espíritos renovados pelo sofrimento, que puxa a consciência da sua própria miséria, estabelecida pela divisão intrínseca fixada pela propriedade privada alienante.

O resultado da reunião do Grupo dos 20 é a materialização do fim do Grupo dos 7, cujas certezas estão sendo ultrapassadas. O G7, depois da queda do Muro de Berlim, tentou eternizar o unilateralismo dos ricos. Querer dizer que somente os Estados Unidos fizeram e aconteceram de 1989 até agora, no auge no unitaleralismo, é falso. O Grupo dos 7 foi o avalista amplo das ações de Tio Sam.

Se, de alguma maneira, os aliados, cinicamente, berraram contra a invasão imperialista do Iraque e do Afeganistão em busca dos terroristas que teriam explodido as torres gêmeas – algo que ainda a história não comprovou, ficando, por enquanto, no território das afirmações sem provas cabais –, no geral, avalisaram o unilateralismo econômico que, na prática, revelou-se, igualmente, terrorista em suas destruições generalizadas.

Barack Obama, antes de tocar as duas guerras em curso, terá que priorizar o combate à guerra interna, nos Estados Unidos, muito mais destrutiva – auto-destrutiva – que empobrece violentamente a população pela ação do capitalismo predatório, sustentado na ficção monetária, cujos efeitos políticos são incógnita.

Beco sem saída

O neo-poder mundial, expresso na emergência do Grupo dos 20, é esperança para renovar o pensamento midiático alienado pelo capital fictício que vendeu como eterno o que não passou de meramente efêmero.

A efemeridade demonstrou ser característica básica da grande mídia, a ponto de, agora, o prêmio Nobel de Economia, Paul Krugman, queridinho do poder midiático, destacar que a virtude do capital passa a ser a destruição do próprio capital. A prudência dos medrosos se transforma em opção suicida. O suicídio passa ser a solução para o capital.

Os editorialistas, amarrados em pontos fixos e prisioneiros do círculo de giz ideológico em que se encontram, não sabem mais o que escrever, como demonstram suas elucubrações cheias de obviedades falsas.

As teses do mercado único foram para o espaço. Ficam, agora, para consideração dos editoriais, em seu cinismo parcial, uma nova espécie de mercado, cuja face não se sabe bem qual é, reclamada e realçada na reunião desse final de semana, em Washington.

Tudo ainda está meio sonolento. Porém, uma coisa está clara: a sobreacumulação de capital sem limites, sem regras, dada pela moeda fictícia, carente de lastro, sofreu baque espetacular, cuja recuperação, a partir das bases da própria ciência econômica capitalista, torna-se problemática.

O cenário impõe, conseqüentemente, discussão política ampla, que a grande mídia se recusou até agora promover porque ela é parte da sobreacumulação que explodiu com os seus próprios pressupostos.

Regulamentação e transparência para a ação do capital, essencialmente acumulador, serão as melhores (ou únicas) alternativas, se a lógica da sua existência é a produção de crônica insuficiência de demanda global, que leva o sistema à especulação e à intrínseca necessidade da negação das próprias regulamentação e transparência?

Ou haverá que se discutir, politicamente, como melhor distribuir a renda, como forma de evitar que a especulação ressurja em novas bases?

Cartazes de protestos contra o sistema, nas grandes cidades americanas e européias, dão conta de que os líderes levaram a humanidade a um beco sem saída.

O multilateralismo, que se afirma no fortalecimento do G 20, levaria a grande mídia cínica a rever seus conceitos ou vai tudo continuar como antes no quartel de Abrantes?

Os jornalões seguirão seus passos errados até perder leitores, como expressão da sua falta de utilidade, como destaca Dominico de Masi, ou cairão na real, para salvar as aparências?

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Jornalista, Brasília, DF