Wednesday, 27 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Nossa imprensa é lamentável

A imprensa é (e sempre será?) palanque e vitrine para a bandidagem. O caso do seqüestro de Santo André-SP é exemplo disso e não foge à regra. Lindemberg Alves entrou no ar duas vezes ao vivo (Record e Rede TV), pelo menos, e outras tantas em gravações (as empresas citadas mais Bandeirantes, Band News, Rede Globo, Record News e Globo News). Só para se ter uma idéia do vexame, o seqüestrador falava com Sônia Abrão, ao vivo, enquanto a polícia tentava ligar para seu celular ocupado.

Outra: as insensatas câmeras das empresas citadas apontavam para a janela onde ocorria o fatídico incidente, por 24 horas! Logo, o seqüestrador assistia a seu próprio seqüestro. Uma irresponsabilidade sem igual. Uma vergonha maquiada de serviço à população.

Não há nada, nem ninguém, que impeça a imprensa (ninguém aí, do outro lado, me fale de censura!). E já que ninguém o faz, a pergunta cabe, sim: até onde a imprensa pode ir em nome desse ‘bem público’?

Uma coisa está clara: os limites habituais estão se perdendo. Quando a vida e a morte nada mais valem, o jogo se torna arriscado demais. Melhor sair fora ou comprar um 38 e entrar na rinha.

Então, quais seriam os novos limites para a imprensa? Um novo padrão ético e moral? Parece que existe um lugar além da liberdade. Este peçonhento lugar, só a imprensa conhece e pode habitar em nossa sociedade. É isso? Sim, parece, cada dia mais, que é isso…

Imbecil e despreparado

No mínimo, o governo, ou a família dos envolvidos, devia processar as empresas de comunicação que cobriram esse desastroso caso de seqüestro em Santo André. Seria um pequeno baque. Afinal, por que existem os códigos de ética e as leis de imprensa?

E para que serve um diploma, ou a obrigatoriedade dele, se a imprensa que nós temos e fazemos é essa máquina de triturar pessoas?

Outra bizarrice foi o que fez e a assessoria de imprensa do Palácio dos Bandeirantes, que enviou uma nota informando a morte de Eloá, principal refém do seqüestro. Lá pelas 19h15min. Porém, minutos depois, a mesma assessoria divulgou uma segunda nota pedindo desculpas. Um erro de quem faz jornalismo apressado. Logo onde não se pode ter pressa, nas assessorias de imprensa. Logo onde se deve ter uma apuração responsável dos acontecimentos que a circundam (e onde não se deve ter?). Incrível e triste.

Mais impressionante foi o que fez a Folha de S.Paulo em seu site. O jornal virtual do diário paulista matou Eloá antes mesmo de a assessoria de imprensa lançar a primeira e equivocada nota. Furo? Não, irresponsabilidade mesmo…

Lindemberg conseguiu absolutamente tudo o que queria. Sem tirar nem pôr. Matou Eloá, apareceu na televisão, ficou famoso e, por fim, não foi morto.

Um rapaz imbecil e despreparado para a vida. Uma polícia especial e desastrada diante de um imbecil despreparado para a vida. E uma imprensa mau caráter e antiética mostrando, minuto a minuto, uma polícia, outra vez, especial e desastrada diante de um imbecil despreparado para a vida. Quando todos os envolvidos num processo são mal-educados (leia-se também destreinados, imaturos etc.), pode resultar nisso.

Uma troca injusta

Nos dias que se seguiram à tragédia pipocaram especialistas na mídia. Psicólogos, psiquiatras, peritos, coronéis, homens da Swat… Vixe, muita gente! Mas normal, é sempre assim. Só que a sociedade sentiu uma falta tremenda de especialistas de mídia para analisar a cobertura que foi dada pelos próprios meios de comunicação. Isso, aposto, que ninguém sequer verá (salvo Observatório da Imprensa e ombudsmans, lógico) Normal, é sempre assim. A imprensa não tem espelho. A imprensa não sabe pedir desculpas…

Um surpreso e inocente engenheiro soltou essa: ‘Nessa profissão de vocês (jornalismo), tem alguma lei ou código de ética para punir quem fala na televisão, ao vivo, com bandido e atrapalha a negociação da polícia?’ Hum… Alguém aí se habilita a responder? Ah, não vale citar a palavra censura que pega mal!

Parece moralismo ou oportunismo (talvez, seja os dois…). Mas algum dia, em nossos tempos modernos, já foi normal um rapaz de 19 anos namorar uma menina de 12 anos (idade que começou o namoro de Lindemberg e Eloá)?

A imprensa não presta. Desculpa-se em forma de novela, sempre. Vermes, urubus em busca de carniça! Agora, descobriu-se que a família definiu doar os órgãos de Eloá. Belo gesto, sem dúvida. Então, matérias com as pessoas que receberam os órgãos já estão no ar. Afinal, são algumas vidas salvas. Porém, foi uma troca injusta. Mas para toda a desgraça que a imprensa alimenta, é necessário sempre um final feliz. Deprimente…

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Estudante de Jornalismo