Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Nossa pátria mãe tão distraída

Quando comparamos a posição econômica do Brasil no mundo com a sua posição em termos de Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), um abismo nos vem à tona: temos o 9º maior PIB mundial, porém há 74 países com melhor IDH que o nosso. O que nos leva a produzir tamanha discrepância?

Ora, temos uma sociedade marcada pelo que podemos chamar de apartação social, um sistema com forte segregação em todos os âmbitos, do econômico ao cultural e do social ao espacial. Nesta sociedade segregada, evidentemente, há grande concentração de renda, de terra e de capitais e também o seu oposto, que é a forte exclusão econômico-social de milhões de pessoas. Esse é o ponto chave de nosso subdesenvolvimento: o par concentração/exclusão.

É porque excluímos boa parte de nosso capital humano que perambulamos pelo mundo subdesenvolvido. Tal concentração/exclusão não se dá só com as riquezas, mas também em relação ao poder. Poder de mando de todos os tipos, poder de direcionar políticas públicas e poder de fazer e desfazer reputações, este em função da concentração também dos meios de comunicação de massa. E o poder de fazer e desfazer reputações se torna especialmente poderoso se voltarmos os olhos ainda para as condições brasileiras em termos de educação: ocupamos o 95º lugar no globo em alfabetização! E vale lembrar que mesmo nossos alfabetizados têm pouca capacidade crítica e pouca capacidade de reflexão…

O MST e o apocalipse

Assim, para transpormos o abismo citado no primeiro parágrafo e construirmos uma sociedade com bem-estar compatível com a nossa potencialidade econômica, faz-se necessário promover todo tipo de inclusão: negros e pobres no sistema educacional de qualidade, os sem-terra no ciclo produtivo agrário, os miseráveis e favelados num sistema que ofereça oportunidades reais para uma vida digna, enfim, incluir a todos num universo com cidadania, rompendo a fatídica condição de sociedade com privilegiados ou desprivilegiados (em que ninguém é cidadão).

Mas como pode se dar esse processo de inclusão? A história nos mostra que nos países desenvolvidos do ocidente normalmente foram amplos movimentos sociais que conseguiram promover esse difícil processo. Na França, a revolução de 1789 construiu o sentido da igualdade e da liberdade e realizou ampla reforma agrária. Na Inglaterra, os movimentos operários atuaram muitas vezes de maneira bastante violenta para alcançar a cidadania. Na Espanha, foi notável a Revolução de Cádiz no século 19, extinguindo os horrores praticados pelo tribunal do Santo Ofício. Constrói-se uma ética em que é digno se rebelar contra a opressão e a exclusão. No Brasil, no entanto, há uma inversão dos valores.

Há poucos dias, a mídia brasileira fez grande estardalhaço diante da ação de alguns integrantes do mais importante movimento social da América Latina hoje, o MST. Os integrantes deste movimento invadiram uma propriedade e destruíram alguns milhares de pés de laranja e para a mídia nacional parecia o apocalipse. Pude até mesmo ler num jornal um senhor comparando o MST à Al Qaida e ao Taliban…

‘Opressor é quem oprime’

Para além dos arrebatamentos ultraconservadores, perguntaria às pessoas de bom senso por que a grande mídia não faz estardalhaço em relação aos milhares e milhares de hectares de desmatamento criminoso promovido pelos Com-Muita-Terra diariamente (e que faria a destruição dos pés de laranja parecer uma brincadeira de mau gosto)? Por que a grande mídia não faz barulho semelhante em relação ao uso abusivo e também criminoso de agrotóxicos pelos mesmos Com-Muita-Terra e que tanto mal faz a coletividade? Se consideramos crime a citada ação daqueles membros desse legítimo movimento social que é o MST, a discussão que se faz agora é por que a crimes de muito maior dano social, como os colocados acima, a mídia pouca ou nenhuma ênfase dá?

Claro é, então, que a grande mídia no Brasil se posiciona a favor dos grupos conservadores, grupos que têm contribuído decisivamente para a perpetuação do abismo entre a nossa condição econômica e a social e, portanto, para a perpetuação do nosso subdesenvolvimento. E nós, tão distraídos, vamos sendo levados como não atores do processo histórico, como cúmplices a cooperar passivamente com a lamentável condição em que nos encontramos. Superar essa condição só será possível se rompermos radicalmente com a mentalidade do subdesenvolvido que chega ao limite de conceber os movimentos sociais como ‘terroristas e totalitários’, sem saber, como disseram os jovens franceses naquele fabuloso maio de 1968, que ‘o opressor é quem oprime e não quem se rebela’.

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Doutorando em História pela UFG