Talvez falar sobre isso tantos anos depois seja meio que revirar arquivo morto, mas serve para refletirmos o quanto a imprensa mudou de lá para cá, se é que mudou. Casos de ‘circo da imprensa’, como o da menina Isabella, ainda pipocam por aí. Entre esses dois casos, temos a Escola Base, que deveria ter servido como divisor de águas mas, pelo que temos visto, não ajudou muito. Será que nossos jornalistas não aprendem?
Então, revi no YouTube o Globo Repórter da primeira semana de 1993 sobre o caso Daniella Perez. Na época, já tinha visto, mas desta vez pude ver com um olhar mais crítico que o de pré-adolescente indignado. De início, temos uma reportagem sobre outras mulheres que sofreram agressões graves ou foram assassinadas por maridos e namorados, o que é um ponto positivo do programa. Lembrar que esse tipo de coisa está acontecendo todo dia, enquanto todos só conseguem ver o caso da atriz que foi assassinada.
No segundo bloco é que começa o horror. Se, anteriormente, tivemos Isabela Assunção com uma reportagem bem sóbria, agora temos Marcelo Resende em sua fase pré-Linha Direta, mas já com o tom sensacionalista do programa. Com pré-julgamentos e frases de efeito, Marcelo já tem certeza que Guilherme de Pádua fez tudo por ser um psicopata frio e calculista. E, chamando atenção para a mediocridade do ator, parece querer mostrar que Guilherme agiu unicamente por inveja. Ao apresentar a versão da defesa e da acusação ele não se constrange em mostrar a segunda como a verdade final e a primeira como um delírio de uma pessoa desesperada para não ser condenada.
Defeitos de criança mimada
Onde está a imparcialidade? Onde estão os questionamentos? O que Daniella Perez fazia com seis mil dólares na bolsa? O que a levou a sair do carro? E os bilhetinhos do ator a vítima, de que se tratavam? Tudo ficou mal explicado ou simplesmente sem explicação.
Marcelo pega três blocos inteiros com suas acusações e, então, na quinta parte, temos uma surpresa. O hoje crítico do que ele chama de PIG (Partido da Imprensa Golpista, que inclui a Globo), Paulo Henrique Amorim, fala sobre a repercussão internacional do caso. Nada estranho, pois ele trabalhava na Globo, na época, e era seu correspondente internacional. Mas precisava defender a pena de morte de forma tão descarada? Dizer que os Estados Unidos estão mais bem preparados para lidar com essas situações parece piada. Não seria isso uma das manipulações que ele tanto critica em seu blog?
Finalmente, Ilze Scamparini, mais discreta, se limitando a entrevistar às pessoas, mostra a carreira da atriz e as pessoas que conviveram com ela. A cultura popular diz que todos viram santos depois que morrem e, como a Globo queria aumentar ainda mais o horror das pessoas com o crime, eles não pouparam declarações que marcavam sua doçura, esforço e seus pontos positivos – exceção ao pai da atriz, que não deixou de enfatizar que ela cresceu muito mimada e tinha todos os defeitos de criança mimada.
Manipular as emoções
Pior de tudo é a insistência em mostrá-la como uma atriz de peso que o Brasil adorava, sendo que a maioria das pessoas só foi prestar atenção nela após sua morte. Daniella havia feito alguns papéis, mas nada de muito memorável. Na Globo, fez Barriga de Aluguel, O Dono do Mundo e a própria De Corpo e Alma, além de figuração em Kananga do Japão, na Manchete. Levando em conta que ela tinha um, digamos assim, ‘pistolão’, não dá para ficar colocando-a como a atriz batalhadora que vinha construindo uma carreira brilhante.
Para finalizar o programa, temos as palavras da mãe, Glória Perez, sempre com aquela fisionomia cansada de quem leva toda dor do mundo nas costas. Até hoje, ela parece querer nos obrigar a lembrar todo dia de seu sofrimento com esse caso e suas novelas chatas com enorme apelo popular parecem ajudá-la nessa missão.
Por fim, o crime foi brutal e os assassinos mereceram a condenação que tiveram. Fosse Glória Perez quem decidisse a lei, deveria abrir exceção para esse caso e os assassinos serem presos em uma masmorra e a chave jogada fora. Como mãe, pode-se prestar a esse tipo de desabafo, porém é de se questionar todo esse sensacionalismo do noticiário. Tantas pessoas morrendo em hospitais e tantas pessoas sofrendo no mundo e a Globo escolhe alguém por quem o Brasil deveria chorar, alguém que morreu, como tantas outras pessoas que estão até hoje injustiçadas. Claro que por ser uma pessoa (razoavelmente) conhecida, seria natural a repercussão do caso, mas custa fazer uma reportagem sem manipular as emoções das pessoas? Fica o questionamento.
Para quem quiser ver o vídeo do programa no YouTube, eis os links:
http://www.youtube.com/watch?v=bJ5LojEBnPM&feature=related
http://www.youtube.com/watch?v=IUyBVLqxaYY&feature=related
http://www.youtube.com/watch?v=HYTvgif08Sg&feature=related
http://www.youtube.com/watch?v=ojKozUFUOCs&feature=related
http://www.youtube.com/watch?v=jVDnvZpt-GA&feature=related
http://www.youtube.com/watch?v=c0dsOsaDt7k&feature=related
http://www.youtube.com/watch?v=vfFyoT5Qgt4&feature=related
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Bancário, Formosa, GO