Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Novo patrão não é bem-vindo no Les Échos

Ele trocou o segundo jornal econômico da França pelo número um. Fácil como quem muda de camisa, para quem detém uma fortuna calculada pela revista Forbes em 20 bilhões de euros.


É legítimo e aceitável um milionário que não é do ramo e é um dos principais anunciantes do país se apropriar do mais respeitado jornal de economia francês? Os jornalistas se perguntam e a resposta é uma queda de braço entre a redação e o novo patrão. Os interesses não são os mesmos: uns querem manter a independência e a credibilidade, ele quer mais poder.


Por 240 milhões de euros, Bernard Arnault, de 58 anos, tornou-se o dono do principal jornal francês de economia, Les Échos, que completará 100 anos em 2008, vende 116 mil exemplares por dia e é um dos poucos que não está no vermelho. Uma quantia irrisória para o homem mais rico da França e a sétima fortuna mundial, dono da holding LVMH, que detém 64 marcas de moda ou de bebidas, entre as quais Dior, Louis Vuitton, Kenzo, Moët et Chandon, Dom Pérignon, além do grand magasin Bon Marché e da cadeia de cosméticos Séphora. Arnault é ainda o segundo acionista da cadeia Carrefour (vice-líder mundial entre hipermercados).


Além de todos esses atributos, Bernard Arnault é padrinho de casamento de Nicolas e Cécilia Sarkozy. O casal se desfez (ver, neste ObservatórioDivórcio de Sarkozy imita anglo-saxões e embaraça a mídia‘ e ‘Factóides à moda francesa‘, mas a amizade entre o presidente francês e o empresário continua. E aí está um dos complicadores desse processo de compra do maior jornal de economia, pois os patrões dos principais jornais, revistas e cadeias de TV são ligados ao presidente Sarkozy, o que representa, segundo os jornalistas e analistas políticos, uma ameaça para o pluralismo e a independência da informação.


Censura assumida


No dia seguinte ao anúncio oficial da compra, La Tribune, o segundo jornal econômico mais vendido do país e até agora propriedade de Arnault, dava como manchete principal: ‘A imprensa econômica em perigo’. Os jornalistas do La Tribune sabem o risco que correm e temem ser esmagados pelo número 1 que caiu nas mãos do empresário número 1 do luxo.


Como sinal de boas vindas ao novo patrão, os jornalistas de Les Échos fizeram dois dias de greve e o jornal não saiu nos dias 6 e 7 de novembro. Na mesma semana, os colegas de La Tribune foram informados que Arnault – que não pode manter os dois jornais por proibição da lei de concorrência – vendera o segundo mais lido a Alain Weill, dono do grupo NextRadioTV (RMC, BFM e BFM TV).


Revoltados com o que consideram falta de transparência no processo de venda, na quinta-feira (8/11) os assalariados de La Tribune votaram a greve e o jornal não saiu na sexta.


Preocupados com a credibilidade do Les Échos, que pertencia ao mesmo grupo do Financial Times, os jornalistas fizeram tudo para impedir a venda. Foram à Justiça e até encontraram outro comprador que pagava 5 milhões de euros a mais. Mas a compra já estava fixada em contrato e a Justiça deu ganho de causa a Arnault.


São inúmeras as histórias de intervenções veladas ou mais ou menos claras de Arnault no conteúdo editorial do La Tribune. E os jornalistas sabem que se isso vier a se repetir no Les Échos é a credibilidade do jornal, cuja informação econômica sempre foi considerada totalmente isenta, que ficará arranhada.


A isenção não era o apanágio de La Tribune sob a gestão de Arnault e de seus dóceis diretores de redação. Em setembro de 2006, por exemplo, uma pesquisa de opinião encomendada pelo jornal e prevista para ser publicada na primeira página foi amputada do resultado principal: segundo ela, Ségolène Royal era considerada mais confiável em matéria de política econômica do que Nicolas Sarkozy. O diretor de redação assumiu a censura. Os jornalistas denunciam também uma cobertura unilateralmente sarkozysta ‘totalmente gratuita, sem levar ao leitor argumentos econômicos para as teses defendidas’.


Queda-de-braço


Para tentar dar confiança à redação do Les Échos e garantir que o jornal continuará sendo feito – e totalmente controlado – pelos jornalistas, Arnault afirmou em uma entrevista que ‘o fato de os jornalistas serem independentes é uma evidência’. Mas os profissionais da informação sabem que as palavras de um patrão não se transformam necessariamente em regra de conduta.


A questão que angustia os jornalistas do Les Échos está intimamente ligada ao poder de fogo do grupo LVMH, que em 2006 gastou 186 milhões de euros em espaço publicitário na mídia, 20% a mais que em 2005.


Como a publicidade é a principal fonte de financiamento da imprensa escrita, todos os títulos estão sujeitos a pressão dos anunciantes. Como não temer as pressões do novo patrão que, por outro lado, é também um dos principais anunciantes?


Os jornalistas sabem que através das verbas de publicidade pode-se manter a saúde de um jornal ou tentar asfixiar um outro. A revista Le Point, por exemplo, que pertence a François Pinault, o milionário francês arquiinimigo de Bernard Arnault, não recebe anúncios das marcas LVMH.


Essa queda-de-braço entre os jornalistas que querem manter a credibilidade da informação e o patrão que ‘não é do ramo’ promete novos lances emocionantes, pois está longe de terminar.


Um dos cartazes da manifestação dos jornalistas do Les Échos contra o novo patrão dizia: ‘M. Arnault, a independência não é um luxo’.

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Jornalista