Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Números que não se explicam

Os recentes movimentos de contestação social promovidos por jovens europeus possuem como inspiração um manifesto denominado “Indignai-vos” (Editora Leya Brasil), escrito pelo diplomata francês Stéphane Hessel. Em poucas e desconcertantes páginas, Hessel conclama os jovens, mas não somente eles, a que se indignem contra as injustiças sociais, que se indignem contra governos que cedem a pressões e exigências de bancos e entidades privadas… Enfim, que se indignem contra as mazelas do mundo atual.

Apesar do discurso dos legados econômicos da Copa de 2014, existem números que não se explicam. Tomemos como exemplo alguns deles. José Cruz informa em seu blog que, para as obras do Maracanã, já foram contratados R$ 705,6 milhões, para uma obra que tinha previsão de se gastar R$ 600 milhões. Os R$ 105,6 milhões a mais gastos ainda não foram explicados ao Ministério Público. O que não se pode esquecer é que em 2007 o Maracanã passou por uma grande reforma para receber os Jogos Pan-americanos, algo em torno de R$ 400 milhões… Será que em 2007 a CBF não poderia ter realizado uma reforma nos moldes do que exige a Fifa? E então os mais de R$ 400 milhões gastos para o Pan foram demolidos com a nova reforma.

Por que 68 mil espectadores?

O estádio Arena das Dunas, na ensolarada cidade de Natal/RN, será posto de pé por quase 800 milhões de reais. Posso estar enganado, mas como economista gosta de calculadora, vamos fazer conta. Se tomamos como parâmetro a equipe do ABC, que devido à sua ótima campanha na série B do campeonato brasileiro possui arrecadação satisfatória para os padrões do futebol potiguar, se o Arena das Dunas estivesse pronto hoje e a equipe do ABC quisesse alugar o estádio, o aluguel sequer pagaria a manutenção do próprio estádio. Ressalte-se que o ABC possui um estádio próprio e, portanto, economicamente não é viável alugar um estádio para mandar seus jogos. O América, atualmente na terceira divisão, e o Alecrim, lanterna do seu grupo na série D, dificilmente lotam estádios em suas partidas do campeonato potiguar de futebol… Por mais simpática que seja Natal, dificilmente Rolling Stones, Paul McCartney, U2, Lady Gaga e Madonna se apresentarão no Arena das Dunas, de forma que a arena multiuso se converterá em um gigantesco elefante branco cravado na Cidade do Sol.

Em uma engenharia econômica difícil de entender mesmo para economistas, Carlos Alberto Sardenberg explica que o Itaquerão, campo do Corinthians, estará operacional para receber jogos para 48 mil espectadores (com capacidade para ser ampliado para 68 mil, conforme exigência da Fifa para a abertura de sua Copa), por nada menos que R$ 820 milhões. Apesar de ser o clube mais popular de São Paulo, o timão tem tido média de público abaixo de 20 mil espectadores, se consideramos todas as competições de que o clube participa. Portanto, para que construir um estádio tão grande para um público que dificilmente estará presente? Por que o BNDES financia tal obra se numericamente se prova que não será necessário um estádio para 68 mil espectadores?

Indignai-vos!

O discurso oficial justifica os gastos públicos para a realização da Copa de 2014 ressaltando os legados econômicos desse evento. Já que são cifras tão satisfatórias para o país, pergunto: qual o percentual do PIB que será gasto para a realização da Copa de 2014 (gastos diretos, ou seja, financiados pelo BNDES, e gastos indiretos, através de isenção de impostos para as obras diretamente relacionadas com a Copa)?

Os gastos públicos para a realização da Copa de 2014, entenda-se, da Copa dos Teixeira-Havelange, serão muito maiores do que os previstos e, como economista, posso afirmar que serão praticamente impossíveis de ser mensurados devido à sangria do dinheiro público que já corre país afora. Devemos estar atentos a tais gastos, que bem poderiam ser usados em educação e saúde de qualidade, em meio ambiente equilibrado, em segurança pública… Portanto, indignai-vos contra a Copa dos Teixeira-Havelange!

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[Fábio Fonseca Figueiredo é PhD em Geografia e economista; de Viena, Áustria]