Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O Armagedon da grande imprensa

Crise econômica ou Armagedon? Após o IBGE ter divulgado uma queda de 3,6% no crescimento da economia brasileira no último trimestre de 2008, os editores de primeira página de O Globo e da Folha de S.Paulo não hesitaram em recorrer, na quarta-feira (11/3), às habituais formas de terrorismo editorial. A capa do diário carioca ostentava: ‘Indústria desaba. Consumo cai e já se teme 2009 com recessão’. O jornal paulista não ficou atrás: ‘Queda do PIB no Brasil é uma das piores do mundo’.

O fato de a desaceleração ter ocorrido no último trimestre pareceu irrelevante para os editores da conhecida publicação da Barão de Limeira. Apoiando-se no que julgava ser potencialmente mais explosivo, omitiu um dado de capital importância para compreensão da realidade econômica do país: o PIB brasileiro, apesar da crise em escala planetária, apresentou o segundo maior crescimento mundial. Ou seja, outras manchetes seriam possíveis. Algo do gênero ‘Apesar da recessão global, PIB cresce 5,1%’. Por que não? Por determinações da pequena política.

Eleitor não se deixou levar

Que tipo de jornalismo está sendo feito no Brasil? Para quais interesses é direcionada sua estrutura narrativa? É o caso de reexaminar, como já sugeriu o jornalista Alberto Dines, os procedimentos e padrões para a formulação de títulos? Ou o claro viés ideológico clama por uma inflexão de outra natureza? O que está em xeque é a própria ética do fazer jornalístico.

Como ressalva o editor do Observatório da Imprensa, ‘de nada adianta registrar todos os dados, reproduzi-los no corpo da matéria se a titulação-espelho fiel da busca da verdade beneficia apenas um ângulo’. Aquele que melhor atende aos objetivos de uma oposição sem projetos, fingindo fazer interpretação equivocada da Teoria da Catástrofe. Sejamos claros nesse ponto: o problema não é desvio conceitual, mas de caráter mesmo.

Mais uma vez, o que temos aqui são manchetes que, ignorando a apuração para obter impacto, não revelam incompetência, mas disposição de submeter o leitor e/ou telespectador à desinformação, ao fatalismo de profecias que se auto-realizam, à erosão da popularidade de quem governa.

Será que ainda não se deram conta que uma nova opinião pública se consolidou, apesar do conteúdo que produzem? Analisando o processo eleitoral de 2006, a jornalista Ana Rita Marini [publicado em MídiaComDemocracia nº 5, janeiro de 2007, revista do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação] constatou que ‘distante da influência das manchetes, o eleitor não se deixou levar pelo canto da sereia nos maiores veículos de comunicação’. Não é o caso de se deter diante das conseqüências deste fenômeno, tão imprevisíveis quanto os da crise do capitalismo, antes de seguir na linha de jornalismo de campanha?

Crescimento de vendas

Já não passou da hora de a imprensa brasileira botar sua cultura no divã e ver que, se ela tem mudado os seus absolutos, continua com a mesma face odiosa? Vale a pena manter a linha autoritária, acrescentando nuanças aparentemente democráticas? Ou o dilema dos barões da mídia é o mesmo de lideranças oposicionistas que vêem em 2010 não apenas mais uma eleição presidencial, mas a própria sobrevivência política?

Nesse caso há um subtexto, uma manchete oculta na primeira página de O Globo: ‘A agenda conservadora desabou, seu candidato começa a cair e há sinais de derrota nas eleições de 2010?’ Se for isso, o Armagedon está explicado.

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P.S.: Este artigo estava concluído quando o IBGE anunciou crescimento de vendas no varejo em janeiro. E agora, qual será a manchete? ‘Governo falha. Demanda cresce e há sinais de aumento do consumo em 2009?’ Fica como sugestão.

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Professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), Rio de Janeiro, RJ