Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O barão de Itararé e a Operação Zelotes

Percebo que o legado humorístico do barão de Itararé e do Sérgio Porto (Stanislaw Ponte Preta) é menos datado do que o do pessoal do Pasquim tirante uma que outra sacada genial do Millôr Fernandes. Sei que Millôr Fernandes fez uma obra de humor importante. Meu desinteresse em relação a ele é questão de gosto pessoal. Não simpatizo ideologicamente com alguém que, por exemplo, lançou aforismas anárquicos simplistas tão ao gosto dos analfabetos políticos como aquele que diz “Jornalismo é oposição. O resto é armazém de secos e molhados”.

Longe de mim diminuir a importância do papel do Pasquim naqueles tempos difíceis da ditadura. Apenas pretendo demonstrar o talento destes antecessores na genealogia do humor político no jornalismo brasileiro. O Jaguar dizia, através do ratinho Sig, que o Barão era o “bisavô do Pasquim”. Sem falar que sem o Pasquim o legado dos dois citados seria, com certeza, menor, menos valorizado. Houve uma sinergia entre estas gerações de humoristas. Resultado de uma coerência político-ideológico, de uma linha tácita existente entre ambos: a luta contra a ditadura e a favor da democracia, como fez o barão contra o Estado Novo de Vargas, e Sérgio Porto e o pessoal do Pasquim contra o regime militar instaurado em 1964 e, por consequência, a crítica de todos eles aos desmandos da Casa Grande.

Quase desnecessário dizer que a partir de grupos como o Casseta e Planeta esvaneceu-se este compromisso político com as forças progressistas e democráticas e começou a ser gestado um humor assentado nas máximas neoliberais onde o forte é a crítica à política e aos políticos, aos funcionários públicos, à burocracia do Estado e às empresas estatais, indo para baixo do tapete, para um segundo plano, os desmandos do pessoal da Casa Grande, os 1% muito ricos. Dá para se rotular como um humor de direita, diferentemente do mesmo tipo de programa norte-americano, que é mais equilibrado ideologicamente. Um humor de caráter duvidoso que alcançou o ápice nestas figuras que, vindo do stand up, performance de matriz americana que consiste em um humorista no palco contando piadas, tomaram de assalto a madrugada com talk shows, entrevistas com pessoas interessantes dos mais variados perfis pontuadas por um tom coloquial ora engraçado ora sério. O Jô Soares destoa deste grupo porque embora pautasse suas tiradas humorísticas por uma linha ideológica neoliberal nunca embarcou no humor apelativo que busca, desesperadamente, sintonia com o senso comum conservador na questão dos costumes. Ainda sobre Jô Soares, circula nas mídias sociais a informação de que está sofrendo represálias, como o corte dos músicos Miltinho e Tomate do sexteto e a diminuição do tempo do programa, por não ter encampado o tom golpista e até se posicionado, no programa, pessoalmente contra as vozes poderosas da “casa”, que pregam abertamente um golpe contra Dilma.

A perenidade do humor do barão

O barão de Itararé com seu talento multimídia e performático tinha nisso um ingrediente único. Diferente de Sérgio Porto cujo humor era só textual, ele ao misturar personagem e autor criava, nos tempos pré-televisão, um humor ao mesmo tempo textual e visual, envolvendo sua singular persona.

O barão com sua rapidez do raciocínio, seu senso de observação agudo, sua veia cômica inesgotável pouco ou nada centrava fogo de modo sexista ou mesmo racista como muitas vezes é comum na área de humor. Neste particular o pessoal do Pasquim e mesmo Sérgio Porto, vivenciando outros tempos menos politicamente corretos e espelhando o espírito gozador do carioca, são acusados até hoje, por alguns mais escrupulosos e moralistas, de terem se excedido nestes quesitos. Acusação injusta, por certo.

O fato é que para melhor entender o Brasil contemporâneo prefiro recorrer, alguns diriam plagiar, os ensinamentos do barão de Itararé e do Sérgio Porto. Não é que eles sejam melhores ou piores que a turma do Pasquim. Apenas suas criações têm um vigor que não definhou com o tempo. São figuras e sacadas que superam melhor o passar dos anos. Neste particular, percebo, para não ficar só nos dois citados, o mesmo caráter mais perene em alguns personagens criados pelo Luiz Fernando Verissimo, como a Velhinha de Taubaté, o Analista de Bagé, Ed Mort ou Dora Avante, a socialista socialite. LFV, com certeza, bebeu muito desta fonte, em especial do Sérgio Porto, no compor um tipo com poucas pinceladas.

Para dar uma pequena mostra da perenidade do humor do barão de Itararé, isto é, de como ele ainda pode dizer algo sobre o mundo atual, devo começar com a releitura que ele fez da música de campanha do Jânio Quadros:

“Varre, varre vassourinha

Varre a sujeira dos outros

Mas varre também a minha”

Hão de convir, o barão tornou-a mais ajustada à realidade, mais verdadeira. Poderia até parar por aqui e dizer que sua versão já é suficiente para demonstrar a sujeira da própria grande mídia e de seus aliados ideológicos nos dias de hoje. Sujeira de hoje, igual à de Jânio Quadros, varrida para baixo do tapete e ficando exposta apenas a sujeira dos outros, dos inimigos políticos e partidários.

Jânio Quadros foi um tipo de candidato de direita que aparece como salvador da pátria de quando em quando nesta nossa terra e em outras plagas desta nuestra América. No Brasil, seu legado estilístico e político foi herdado por Fernando Collor, em cuja aparição, na campanha eleitoral de 89, a Rede Globo usava como jingle a música que vinha antes da entrada em cena do herói Indiana Jones do Steven Spielberg, associando, portanto, o caçador de marajás ao celebrado personagem vivido por Harrison Ford. Depois, deu no que sempre dá quando a questão é luta contra a corrupção feita e financiada pela Casa Grande. O guardião da moral se revelou mais sujo e corrupto do que os que, supostamente, combatia.

Através da inclusão de dois versos no final, pretendo dar uma pequena mostra da atualidade do barão de Itararé. E assim, imbuído do espírito do barão e tendo em vista o visto nos episódios Operação Zelotes e HSBC, reescrevi a mesma música com outra “levada”.

“Varre, varre vassourinha

Varre a sujeira dos outros

Que é pequenininha

Perto da minha”

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Jorge Alberto Benitz é engenheiro e consultor