Entre as décadas que separam o momento em que o sociólogo francês Edgar Morin cunhou o termo “olimpiano” (em referência aos “Deuses do Olimpo”) até agora, pouca coisa mudou: ainda somos fissurados pelo espetáculo. É raro encontrar uma matéria de entretenimento – vulgo “fofoca” – nos grandes portais de notícias ou ainda nas timelines de redes sociais, como o Facebook, sem o singelo comentário: “E daí, em que isso vai mudar minha vida?” Mesmo que repudiem via discurso, há algo que atrai milhares de pessoas a lerem e comentarem o conteúdo criticado. Ainda vivemos como os antigos romanos, à base de “pão e circo”?
Os olimpianos modernos, para Morin, não são apenas os astros de cinema, mas também os campeões, príncipes, reis, playboys, exploradores, artistas célebres. O olimpismo de uns nasce do imaginário, isto é, de papéis encarnados nos filmes (astros), o de outros nasce de sua função sagrada (realeza, presidência), de seus trabalhos heroicos (campeões, exploradores), ou eróticos (playboys).
O interesse coletivo pela vida das celebridades – atendido por uma cadeia de veículos da mídia e do mercado de souvenirs em geral – permite aos leitores a impressão de poder vislumbrar através de um “buraco na fechadura”, o privado que se tornou público. As redes sociais e a imprensa são os canais e ao mesmo tempo as ferramentas para aprofundar tematizações. Os ídolos exercem a função simbólica de realizar as fantasias e os desejos dos mortais.
O capital simbólico dos colonizadores
O frenesi em torno do nascimento da filha do casal William e Kate Middleton, duque e duquesa de Cambridge, mostra que a ideia de casamento perfeito, concretizado com um casal de filhos, ainda persiste no imaginário social e cultural compartilhado no mundo ocidental. O nascimento da segunda herdeira do príncipe William e de Kate Middleton bateu o recorde de publicações sobre a realeza inglesa desde o nascimento do primeiro bebê do casal, o príncipe George. Segundo o Telegraph, o Twitter registrou mais de 1,1 milhão de postagens mencionando o nascimento da princesinha e, durante todo o sábado, o termo royal baby (bebê real) foi o mais procurado no Google.
A indústria da fofoca vai continuar existindo não apenas como manobra para distrair e atenuar um clima socioeconômico desfavorável (vivendo a fantasia da vida de outro, não sobra tempo para refletir sobre sua real condição), mas principalmente porque a mídia ganha ao fornecer ao público algo que é de interesse dele e, consequentemente, dará retorno financeiro. Por outro lado, a monarquia e demais instituições seculares, enquanto macroestruturas se fortalecem. No caso específico da monarquia inglesa, um dos efeitos colaterais do êxtase em torno do bebê real foi o aumento da popularidade e ganho de adesão ideológica.
O filósofo norte-americano Douglas Kellner lembra que “as lutas concretas de cada sociedade são postas em cena nos textos da mídia”. Em uma sociedade profundamente desigual, os rituais transmitem segurança. Um casamento real, há séculos de distância, é também uma forma dos colonizados se curvarem à celebração do capital simbólico dos colonizadores. A colonização, dessa vez, é discursiva.
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Sávia Lorena Barreto Carvalho de Sousa é jornalista e mestre em Comunicação