Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O blablablá da longevidade

Pesquisas podem constituir ponto de apoio de uma matéria de duas páginas, com a ajuda de duas fotos. Foi o que aconteceu com ‘O bê-á-bá da longevidade’ (revista Veja, edição 1.994, 07/02/2007), assinada por Camila Antunes.

A idéia de fundo: pesquisas demonstram que os universitários vivem mais. Ora, como apreciador dos princípios universitários, gostaria eu de saber que pesquisas são essas. As linhas iniciais não respondem. O primeiro parágrafo começa com artigo indefinido, prossegue com um adjetivo indeterminado e desanda com vagas referências: ‘Uma pesquisa recente conduzida pelas universidades Harvard e Princeton […]’.

No final do longo primeiro parágrafo, surge o nome da economista Adriana Lleras-Muney, ‘uma das autoras da pesquisa’. Dr. Google leva-me ao estudo publicado: ‘Education and Health: Evaluating theories and evidence

, de julho de 2006. O paper (há um co-autor, David Cutler) é extremamente acadêmico. Talvez nem valesse mesmo a pena mesmo indicar sua leitura.

O elixir da imortalidade

A jornalista acena com uma segunda pesquisa, do ‘demógrafo americano James Smith’. Oh, my God! Como encontrar um James Smith nessa multidão? Mas ele assegura, sabe-se lá em que momento: ‘Os mais escolarizados têm a cabeça menos imediatista, mais voltada para o futuro’. Discordo. Citarei pesquisas que mostram o número imenso de doutores imediatistas, desatentos ao futuro.

Camila Antunes ainda menciona estudos, realizados na Suécia, Inglaterra e Dinamarca, que reafirmam a tese: estudar mais é praticamente tomar o elixir da imortalidade, como se suecos, ingleses e dinamarqueses não usufruíssem de outras condições de vida, além de salas de aula bem diferentes das nossas…

Redentora da sociedade

E, para concluir, uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas, corroborando que em São Caetano do Sul (SP) as pessoas vivem mais porque a prefeitura investe bastante em educação.

A mensagem é simplista. Estudos nos EUA afirmam que a escolaridade propicia a longevidade? Então, mais do que investimento em hospitais públicos, mais do que medidas efetivas para melhorar a distribuição de renda e o acesso do povo à boa e farta alimentação, mais do que tomar iniciativas para reduzir a violência em nossas ruas e estimular a geração de empregos… o melhor caminho no Brasil seria investir na escola.

É a idéia da educação como principal redentora da sociedade. Ora, ninguém nega que a educação desempenha papel importantíssimo. Mas esta matéria da Veja reforça uma argumentação indiferente a tantos outros (e graves) problemas que encurtam nossa vida.

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Doutor em Educação pela USP e escritor; www.perisse.com.br