O Brasil está na 53ª Bienal de Veneza. Mais uma participação que nos estimula a pensar sobre a identidade brasileira e suas representações no mundo. As imagens brasileiras contemporâneas se constituem em uma mistura de fatos de um país promissor em termos econômicos, que deve ser levado a sério, com uma série de acontecimentos que os jornalistas não conseguem enquadrar imediatamente nas categorias tradicionais do jornalismo. A malhação recente da universitária do vestido vermelho por outros estudantes é um exemplo de fait-divers brasileiro. Um consolo para os brasileiros que se julgam rebaixados por esse tipo de representação internacional é que todos os países do mundo produzem diariamente notícias estranhas.
Na disputa internacional por bom espaço na mídia e principalmente na cabeça de bilhões de pessoas, que também são consumidores de produtos e de serviços como o turismo e entretenimento, é fundamental que o Brasil tenha uma estrutura comunicacional geradora de fatos positivos sobre o país. Uma plataforma comunicacional constituída por uma indústria audiovisual e de entretenimento, veículos de comunicação de massa e segmentados brasileiros com abrangência mundial, além de estruturas governamentais, auxiliadas por um exército de agências de propaganda e publicidade, comunicação empresarial e institucional, responsáveis em pensar em políticas e ações relacionadas à imagem do Brasil no mundo. Os Estados Unidos tem tradição nesse tipo de ação, destinando há décadas recursos humanos e financeiros para o cuidado com a sua imagem.
Na falta estrutural de cultura e educação comunicacional e relacional de nossos governos, outros protagonistas do país tem procurado fazer alguma coisa pela imagem e representações brasileiras. Entre eles, encontram-se os artistas que estão aqui na Bienal de Veneza.
Luz, palavras
Ao percorrer o pavilhão brasileiro, as obras do fotógrafo paraense Luiz Braga e do pintor alagoano Delson Uchoa, por meio de seus temas, cores e luzes dão ao visitante o encontro com a alegria, o calor e a mestiçagem tropical brasileira, um reforço da nossa identidade, conhecida e esperada, por quem passa e consome commodities e representações, que emanam do carnaval, das paisagens indígenas e litorâneas e também de tantas misérias. Mas Braga e Uchoa são mestres em transcender o que é esperado pelo olhar estrangeiro. É como visitar um lugar chinês, encontrar os dragões e ruínas das muralhas de sempre, e sair com algum legado. Ambos ultrapassam os motivos tradicionais e se afirmam contemporâneos ao retratar o Brasil.
O curador Ivo Mesquita fez uma opção estética e ética para representar o Brasil nessa Bienal. Não escapa das origens, mas apresenta-se globalmente competitivo como os aviões da Embraer, as perfurações da Petrobras, o minério da Vale, os perfumes da Natura, a música de Villa-Lobos e as sandálias Havaianas.
No Arsenale, o pavilhão geral da Bienal, outros artistas brasileiros. O ‘Livro de Criação’ de Lygia Pape (1927-2004), de 1959, uma obra não datada e que fala de um universo em que estão presentes a luz, a água, a terra, o homem, a vida, as palavras. Sua obra aproxima arte, poesia, experiência e memória de maneira alucinante. Suas diferentes partes informam afetivamente sobre a criação do mundo e a eterna possibilidade de contar, ou relembrar, uma mesma história de infinitas maneiras.
Pátria, identidade
A instalação criada por Cildo Meireles leva o visitante a atravessar salas pintadas de violeta, azul, verde, amarelo, laranja e vermelho, e a experimentar fazer parte da criação, o que é uma referência a outro artista brasileiro Hélio Oiticica (1937-1980), e algumas de suas obras, que propunha a participação corporal do espectador na elaboração de significados.
As obras de Lygia e de Cildo não têm como referência uma pátria, uma identidade. Elas são míticas, poéticas, conceituais, talvez chave para que o Brasil seja também percebido como um lugar aberto ao homem global, culto e poético.
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Jornalista, professor da ECA-USP e diretor-geral da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje)