Para a análise da realidade brasileira, valer-me-ei deDois e dois: quatro, do poeta Ferreira Gullar. Dói ver que a poesia desaparece das páginas do jornal impresso. É raridade. Poesia tem muito a dizer, ajuda compreender e pensar questões observáveis sobre muitos aspectos. Entre eles, o humano e o social.
A sobrevivência no Brasil se assemelha ao desafio da esfinge: “Decifra-me ou te devoro.” Vivemos num país complexo, dominado pela desigualdade social, corrupção e miserabilidade. De outro lado, uma elite descompromissada com o país e o povo. Podemos verificar isso na precariedade de serviços públicos essenciais, como saúde, educação e segurança. Portanto, não se pode ignorar que uma cultura rica como a nossa, plural, diversificada, mestiça e sincrética, seja deixada ao descaso.
Além disso, é vexatório o que fazemos com o meio ambiente. Todos os dias a mídia denuncia esse desdém. Não querem que o novo Código Florestal cumpra sua função, que é fiscalizar e punir os responsáveis pelas agressões à natureza. O jornalO Estado de S. Paulo (29/5), caderno Metrópole, divulgou a selvageria do desmatamento na cidade de São Paulo em função da especulação imobiliária e ocupação desordenada.
No outro extremo, a figura de Açucena. O Brasil e seu lindo povo. Somos, também, a pátria da burocracia e dos preconceitos, que imperam nas grandes discussões e impedem o avanço social. Refiro-me à polêmica do kit anti-homofobia. A presidente Dilma, acuada pelas acusações que pesam sobre o ministro-chefe da Casa Civil, Antonio Palocci, mandou recolher o kit. Resultado: isso evita que a educação sexual aconteça, de fato, nas escolas conforme os PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais).
Um foro privilegiado
O poeta sonha com um Brasil diferente. Digno para todos. Num mundo globalizado, é preciso investir em pesquisa, educação, ciência e tecnologia. Aliás, é hora do povo participar das decisões do Estado e fiscalizar seu funcionamento. A Constituição garante isso. O que o cidadão pode esperar de um país cuja cidadania é desvalorizada, onde negócios de Estado são transformados em balcão de negócios pessoais? O poeta tem a resposta e conclui que a liberdade é algo cada vez mais raro. O mesmo vale para a liberdade de pensar e agir.
Por fim, Gullar e o leitor compartilham suas incertezas. Temos um Congresso Nacional, que em parte é atuante e moderno e está ao lado da sociedade civil. Por sua vez, outro que é conservador, retrógrado e não acompanha as mudanças do Brasil e mundo. Combinam interesses pessoais com religião e são contrários às mudanças que a sociedade civil almeja. Nosso Estado é laico. Na verdade, a função desses servidores públicos é prestar serviço à nação, e não aos seus negócios. Foram eleitos para isso. O poeta e o leitor têm a esperança que a poesia não seja banida das páginas do impresso de vez. Quanto à mídia que reclama que os leitores estão desaparecendo, ela tem uma oportunidade para promover e mediar o debate sobre essas questões tão candentes. O espaço midiático é foro privilegiado para isso.
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