Lendo o artigo ‘Mulheres simples, mas muito poderosas’, de Ligia Martins de Almeida, publicado neste Observatório [22/2/05, remissão abaixo], não consegui resistir a seu apelo aos psicólogos.
Contudo, o que está em questão não são as mulheres e sua influência sobre os maridos políticos, mas sim o casamento e o que ele significa na sociedade.
Senão, vejamos:
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Li inúmeras análises sobre a derrota de Marta Suplicy na última eleição para prefeita de São Paulo. Em praticamente todas, a separação do senador Eduardo Suplicy era indicada como um dos motivos da derrota.**
No caso de Rosinha Garotinho, a vitória dela foi creditada ao marido, que a teria alçado ao cargo para poder continuar a controlar o governo do estado.**
Quando Collor era presidente, a não simples e poderosa Rosane também foi alçada ao governo, gradativamente, e era ridicularizada por ser ‘patricinha’. Embora, ao final, tenha sido processada por desvio de verbas públicas do mesmo modo que seu marido.**
Todos se lembram da forma preconceituosa com que foram tratadas Luíza Erundina e Maria Luíza Fontenele durante seus mandatos,**
Em minha lembrança, a única mulher de presidente que tinha função profissional e não foi ridicularizada foi Ruth Cardoso.Assim, o preconceito contra a mulher continua o mesmo. Sempre que uma mulher, casada ou não, se aproxima da função pública é ridicularizada pela mídia. As funções públicas que a mídia parece considerar adequadas às mulheres são as de assessoria. Fora disso, a mídia considera que mulher deve ser ‘assessora do lar’, professora, ‘perua’, entrevistadora de TV, mulher de algum homem importante, manequim, objeto de desejo, ‘mulata’ ou ‘boa da vez’.
O que se parece discutir agora é o inusitado de o presidente Lula e o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, levarem suas mulheres para tomar posse com eles. Isso quer dizer o quê? Será que eles discutem política de Estado com as mulheres? Será que elas dão palpite no governo do país e da Câmara? Ou será que, como os movimentos de mulheres já sabem de há muito, o conservadorismo e o modernismo tratam com igual preconceito suas mulheres?
Cutucada correta
O presidente Lula e o presidente Severino, embora tendo posições políticas opostas, podem ter um casamento de parceria em que a lealdade seja mais importante do que a fidelidade. Pode ser que ambos estejam dando um recado à sociedade: não aceito jogos sexuais no poder. Pode ser também que Severino, como Lula, aceite as mulheres como companheiras políticas, ao contrário daqueles políticos que dividem as mulheres em dois grupos: as que levariam para a cama e as outras.
O casamento é a vitrine em que o casal expõe sua maneira de encarar a sociedade. A organização familiar diz mais sobre os princípios de alguém do que todos os seus escritos e falações. Ser separado, ser solteiro, ser casado são opções de vida, mas a forma como nos relacionamos com nossos parceiros afetivos, com nossos pais, com nossos filhos e com nossos irmãos, ao contrário, são uma expressão de nossa visão de fraternidade. Faríamos bem se observássemos isso ao escolher nossos governantes.
De qualquer modo, Ligia Martins de Almeida está correta quando cutuca a mídia em sua cegueira quanto ao casamento dos políticos e quanto à incapacidade de os repórteres contestarem os absurdos que seus entrevistados dizem.
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Psicóloga, Brasília