Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O caso Folha vs.Falha

Por que a imprensa pode fazer piadas com a sociedade e nós somos proibidos de fazer com ela?

O caso da ação judicial movido pelo jornal Folha de S.Paulo contra os irmãos Lino e Mario Bocchini é exemplar para provocar uma reflexão sobre os limites éticos do debate da liberdade de expressão sob o ponto de vista de setores importantes da mídia tradicional. Os irmãos Bocchini criaram o blog Falha de S.Paulo, espaço irreverente e descontraído de análise e críticas de matérias e conteúdos veiculados no tradicional diário paulista.

Como paródia, naturalmente, o blog é “uma obra literária que imita outra obra literária”, evidentemente que em tom caricato com “objetivo jocoso ou satírico”, segundo o dicionário Houaiss. Observa-se aqui com nitidez aquilo que classifico como uma característica marcante da mídia tradicional e conservadora do Brasil. A seletividade na abordagem dos temas ou como analisar temas semelhantes de maneira distinta a partir dos interesses que estão em jogo, propondo-se a criar indicativos no leitor/telespectador sobre a relevância dos acontecimentos e os fatos essenciais para o seu comportamento no meio social, não só refletindo, mas também reconstruindo a própria realidade, ao gosto dos grandes empresários da comunicação deste país. Verifica-se, assim, o papel ideológico representado pela mídia tradicional, atuando em favor da manutenção da preeminência ideológica dominante.

A paródia como instrumento de crítica

No processo eleitoral de 2010, a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert)questionou no Supremo Tribunal Federal a proibição de fazer sátiras a políticos durante a campanha. Acertadamente, o STF liberou o uso de sátiras e manifestações de humor contra políticos, acatando proposta da Abert. “O riso e o humor são expressões renovadoras, de estímulo à prática da cidadania. O riso e o humor são transformadores, saudavelmente subversivos, são esclarecedores e reveladores e, por isso, são temidos pelos detentores do poder”, afirmou no julgamento o ministro Celso de Mello.

No mesmo julgamento, Gustavo Binenbojn, advogado da Abert, destacou: “A sátira e o humor são formas consagradas de manifestação artística e crítica política.” O advogado da Abert reforçou ainda a tese da entidade de que a proibição do humor causa “grave efeito silenciador”.

No episódio em que a atriz Juliana Paes move processo contra José Simão, colunista da Folha de S.Paulo, a advogada do jornal, Taís Gasparin, a mesma que agora assina a ação contra o blog Falha de S.Paulo, alega: “Tratar o humor como ilícito, no fim das contas, é a mesma coisa que censura.” A Folha de S.Paulo, que apoiou a ditadura no Brasil, mantém-se, nesse episódio do blog Falha, coerente com seu passado, mas em contradição com seu discurso atual de defesa da liberdade de expressão no país. De qual Folha estamos falando?

Seguindo a defesa da Folha, o Casseta & Planeta, Pânico na TV ou CQC estariam impedidos de utilizar a paródia como instrumento de crítica humorística, que “se valem de elementos visuais de importantes personalidades públicas para identificação pelos telespectadores”. E o que dizer, então, do fato do cartunista Ziraldo ter criado a revista Bundas, como paródia da revista Caras? Ou, em plena ditadura, o jornal O Pasquim referir-se ao jornal O Globo como The Globe? Não há registro de terem sido censurados ou de tentativa de censura.

“Liberdade de expressão é bom, mas…”

Por fim, é curioso observar também que a MTV Brasil – em três oportunidades, no dia 28 de junho – levou ao ar o logotipo idêntico usado pelo blog Falha de S.Paulo que satiriza o jornal Folha de S.Paulo, que foi proibido pela justiça, no mesmo contexto (paródia) sem que nenhuma ação fosse movida contra o Grupo Abril, dono da MTV Brasil, revelando mais uma vez que a imprensa pode fazer piada com ela mesma, a sociedade não. Lobo não come lobo, já diz um velho ditado popular.

Não há dúvidas, portanto, que a ação contra o blog Falha de S.Paulo é um recado a todos os blogueiros, sites, tuiteiros e qualquer outro tipo de protagonismo possível que as novas tecnologias têm permitido aos cidadãos e à sociedade civil de romper com lógica vertical da comunicação. “Liberdade de expressão é bom, é um princípio, mas não para vocês. O monopólio da informação e da livre manifestação do pensamento é nosso e qualquer tipo de crítica será censurado. E se possível, ainda queremos buscar uma indenização daqueles que insistirem em nos desafiar.”

***

[Paulo Pimenta é jornalista e deputado federal (PT-RS)]