Como a humanidade é feita de patetas – exceto nós dois – babando diante de corrida de automóveis, foi fácil transformar um antigo e emocionante esporte numa papagaiada circense – circo vulgar e mercenário, pura máquina de fazer, e/ou lavar, dinheiro. O escândalo diante da constatação pública dos dois neurônios de Barrichello – e não muitos mais de Schumacher – só fez mostrar quantos tem o cara que vai pra arquibancada ver um zum-zum-zum que passa na sua frente, dentro do qual, o convenceram, vai o Schumacher ou ia o Senna.
No auge do endeusamento do Senna eu dizia pros meus amigos, homens-feitos, pais de família!:
‘Que p… é essa? Vocês nunca viram o Senna correr. Viram Senna no boxe, ou Senna dentro do carro, quer dizer, um pedaço de capacete visto por trás, que pode ser de qualquer um. Isso na tevê. Ao vivo vêem apenas bólidos de brinquedo passando, enquanto, numa tela, numerinhos eletrônicos dizem que o herói João está um milésimo de segundo na frente do herói Joaquim. Vibração!’.
Mas houve um tempo. Me lembro de ir de automóvel – as estradas não eram como as de hoje, enfrentá-las, isso sim, era uma aventura – até São Paulo, nos primórdios de Interlagos, pra ver uma corrida ainda emocionante. Porque emocionante mesmo era, muito antes disso, a corrida da Niemeyer, com toda a razão chamada Trampolim do Diabo.
Era o espetáculo. Você via passar, na sua frente, cara a cara, através dos anos, um Irineu Correia, um barão de Tefé, um Pintacuda, um Chico Landi.
Em pessoa, não eletrônicos, e, vocês não vão acreditar, sem patrocinador.
E você estava ali, junto, ocasionalmente protegido por meia dúzia de sacos de areia. Você também arriscava a vida. Espectador radical.
No canal do Leblon, de repente, um carro explodia, voava – quem foi, Irineu Correia? – pruma fotografia impressionante que saía em página inteira no Diário da Noite, um jornal verde que tinha sete edições diárias. Radical, como esporte – e como jornalismo –, é isso aí, ô meus!
Agora até a emoção dos acidentes é forjada – o herói vale muito dinheiro. Na maior parte das derrapagens ou batidas não morre, nem mesmo se fere, ninguém. A proteção ao corredor é quase perfeita. No acidente com Piquet ele quase perdeu os pés porque essa parte do corpo é praticamente impossível de ser protegida. E o acidente com Senna foi… um acidente. Um pneu que sobe e cai sobre a cabeça do piloto. Não vai se repetir.
Hoje morar em Viracopos, debaixo da ponte aérea, é mais radical do que pilotar uma Ferrari.
E uma disputa de skate também é muito mais perigosa, portanto mais emocionante, do que qualquer Fórmula 1. Esteticamente, então, nem se fala.
E skate você também vê com os próprios olhos, não precisa de eletrônica pra dizer quem foi o melhor. Nem precisa ler o contrato.
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