A reportagem sobre o investimento que o Grupo Liberal, de Belém (PA) faz em seu novo parque gráfico (‘O poder de O Liberal‘) provocou várias mensagens de leitores, que manifestaram sua surpresa e admiração com a capacidade empresarial da corporação. A surpresa é partilhada pelo Jornal Pessoal, a partir da análise da situação econômico-financeira da empresa, espelhada por suas contas.
Pelo balanço de 2004, a Delta Publicidade era uma empresa em estado pré-falimentar. Seu patrimônio líquido praticamente deixara de existir. O prejuízo acumulado, de R$ 15,4 milhões, absorvera a totalidade das reservas feitas para reavaliação do ativo (de R$ 15,1 milhões), e ainda desbastara cerca de R$ 300 mil do capital social (de R$ 657 mil). Como conseqüência, o saldo do patrimônio líquido da empresa responsável pelo jornal O Liberal era de apenas R$ 336 mil, ou seja, pouco mais da metade do capital social.
Na prática, ao final de 2004 a empresa não pertencia mais aos controladores e sim aos credores, com destaque para o governo, a quem a Delta Publicidade devia, de impostos não recolhidos e parcelados, nada menos do que R$ 26 milhões (o equivalente a 30,3% do patrimônio total, de R$ 85,7 milhões). A outros credores externos, a Delta devia mais R$ 13,2 milhões (15,4% do seu patrimônio). Os dois pesados encargos somavam R$ 39,2 milhões, representando quase metade (ou 45,7%) de todo o patrimônio da empresa.
O quadro só não era pior porque o restante do endividamento, de R$ 46,1 milhões (53,8% do patrimônio total), fora contraído junto a ‘pessoas ligadas’, ou seja, junto aos próprios controladores. Curiosamente, esses principais credores eram, também, os principais devedores da empresa. As dívidas dos controladores para com sua própria empresa eram de R$ 32,6 milhões.
Ator decisivo
Os três débitos registrados no balanço (de R$ 26 milhões, R$ 13,2 milhões e R$ 46,1 milhões) somavam R$ 85,3 milhões. Isto significa que dos R$ 85,7 milhões que constituíam em 2004 o patrimônio administrado por Delta Publicidade, dona do maior jornal do Norte do país, R$ 85,3 milhões – ou 99,5% do total dos seus ativos – pertenciam a credores.
A situação parece ainda mais preocupante por dois fatores. Em primeiro lugar, porque a empresa vem acumulando prejuízo de ano para ano. Em segundo lugar, até como efeito dessa repetição, pela tendência não no sentido da recuperação, mas do agravamento do problema de descapitalização da empresa. O prejuízo de 2004 (de R$ 15,4 milhões) foi maior do que o de 2003 (R$ 14,8 milhões), em termos nominais, sem correção. Se essa tendência não for modificada, a empresa caminhará para uma crise profunda. A não ser, é claro, que o balanço não reflita de forma alguma sua verdadeira saúde econômico-financeira.
Mas se os números espelham a realidade, a pergunta que cabe fazer é: como Delta Publicidade suportará o pesado investimento industrial que está realizando? De que forma essa aplicação de capital se tornou viável? Esse investimento modificará a tendência que a empresa seguiu nos últimos anos?
Por enquanto, com base nos dados disponíveis, é possível fazer essas e várias outras perguntas. Mas não respondê-las. Se novas informações não surgirem, inclusive com as contas do jornal O Liberal do exercício de 2005, capazes de mudar o panorama atual, o jeito será esperar pela ação desse ator decisivo na história humana.
A realidade contábil de Delta Publicidade é surpreendente diante do poder da empresa, mas esses números constam do balanço encerrado em 31 de dezembro de 2004, apresentado a seguir de forma resumida, com os valores de referência do exercício anterior:
Em R$ 1.000 | ||
Especificação | 2003 | 2004 |
ATIVO | ||
I – Ativo circulante | 21.512 | 28.833 |
Disponível | 11.685 | 20.705 |
Clientes | 3.292 | 2.542 |
Estoques | 2.655 | 821 |
Outras contas | 3.880 | 4.765 |
II – Realizável a longo prazo | 27.267 | 32.568 |
Créditos de pessoas ligadas | 27.267 | 32.568 |
III – Permanente | 29.881 | 24.298 |
Investimentos | 110 | 110 |
Imobilizado | 29.771 | 24.188 |
Total do Ativo (I + II + III) | 78.660 | 85.699 |
PASSIVO | ||
I – Passivo circulante | 16.072 | 13.246 |
Fornecedores | 2.915 | 3.451 |
Instituições financeiras | 10.482 | 4.984 |
Impostos e contribuições | 1.291 | 1.183 |
Salários e honorários a pagar | 1.111 | 1.196 |
Outras contas | 273 | 2.345 |
IRPJ a recolher | – | – |
CSSL a recolher | – | 87 |
II – Exigível a longo prazo | 60.740 | 72.117 |
Parcelamento de impostos federais | 25.016 | 25.970 |
Débitos de pessoas ligadas | 35.724 | 46.147 |
III – Patrimônio líquido | 1.848 | 336 |
Capital social | 657 | 657 |
Reservas de reavaliação | 16.004 | 15.071 |
Lucros/prejuízos acumulados | (14.813) | (15.392) |
Total do Passivo (I + II + III) | 78.660 | 85.699 |
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Jornalista, editor do Jornal Pessoal (Belém, PA)