Muito se crítica a imprensa quando o assunto é educação. Culpa-se a mídia pela ‘burrice’ da população. É sempre o mesmo discurso: depois do surgimento da televisão as pessoas não conseguem assimilar um conteúdo que exija um pouco mais de raciocínio. Com a internet, a situação é similar: as pesquisas em bibliotecas que exigiam do estudante tempo e muita leitura cederam lugar ao famoso, prático e temido Ctrl+C, Ctrl+V. Resumindo, a mídia se tornou um monstro engolidor de mentes.
Esse conflito entre mídia e educação teve início em meados da década de 1950. Com as novas tecnologias surgindo, professores e educadores não sabiam como lidar com a novidade. Mas, enfim, qual seria a grande dificuldade? A questão é que, na maioria dos casos, a mídia era usada só para entreter. Daí a dificuldade em levar os alunos a fazer uso educativo de um instrumento totalmente recreativo. Essa dificuldade perdura até hoje. Imagina-se que, ao introduzir um aparelho de TV na sala de aula, ou usando revistas e jornais, ocorra um desvio do objetivo principal: educar.
Tanto tempo é gasto debatendo os malefícios causados pela mídia que fica difícil enxergar esse meio como um forte aliado da educação. Não que os veículos de comunicação sejam uma espécie de – invertendo o ditado – ovelha na pele de lobo. Afinal, a mídia chegou a um ponto que todos os atributos a ela concedidos fazem perfeito jus. O jornalista Gilberto Dimenstein diz que ‘se tivéssemos que fazer um plano diabólico para imbecilizar a nação, a mídia não seria muito diferente da que temos hoje’. Mas, usar um instrumento tão forte e influente para disseminar educação parece algo utópico.
Tema sem pautas
Educar é algo que exige dinheiro, da família, do governo ou de instituições privadas. Mas é um investimento com retorno em longo prazo e sem lucros palpáveis. E um veículo de comunicação, acima de tudo, é uma empresa. Sendo assim, visa majoritariamente lucros. Basta verificar as diferenças entre veículos que investem em educação em relação aos de entretenimento, por exemplo, TV Cultura e Globo. A diferença pode ser notada nos anúncios publicitários, nas produções dos programas – a primeira prioriza o conteúdo, que muitas vezes não atrai devido à estética – e finalmente na audiência.
Educação, definitivamente, custa caro. A revista Nova Escola, da Fundação Victor Civita, tem sua distribuição feita a preço de custo nas escolas. O grupo busca fazer sua parte, mas é muito pouco se comparado à quantidade de informações e o fácil acesso a outros veículos nada preocupados com educação.
Um rápido tour pelos principais veículos mostra uma certa indiferença com relação ao assunto. Tanto a Folha de S. Paulo quanto o Estado de S.Paulo, em seus cadernos especializados, abordam somente assuntos relacionados à política da educação. MEC, Provão, Enem, cotas de universidades, resultados de vestibulares de universidades, como USP e Unicamp, e sempre criticando. Ora a favor de uma decisão do governo, hora criticando a mesma decisão do governo. No que isso pode educar? Sem mencionar os dias em que as notícias ficam expostas no site como se não houvesse mais nada a dizer, somente decisões políticas, que na maioria só dificultam a situação.
E quanto às revistas? A Veja, por exemplo, num período de três meses, de junho a agosto, o equivalente a mais ou menos 12 edições, trouxe duas reportagens sobre educação. As editorias de saúde, comportamento, beleza e outras sempre têm novidade. Menos educação.
Preconceitos a vencer
O mesmo acontece com a Época e a IstoÉ. A primeira, no mesmo período, trouxe uma entrevista com o ex-ministro da Educação Cristovam Buarque e uma reportagem que, apesar de estar numa editoria de educação, falava sobre aulas de ioga para pais de alunos. Já a IstoÉ não publicou nenhuma matéria sobre educação. O interessante é que tanto espaço é dado a desastres, guerras, falcatruas políticas… de certa maneira, justificariam a rejeição à iniciativa de inserção de conteúdo educacional em meio a tanto lixo. É como plantar trigo no meio de joio.
No entanto, pensar-se somente, e eternamente, na mídia como um monstro é visão tacanha. Um bom lugar para começar é nas faculdades de Jornalismo, pois delas saem os responsáveis pelo conteúdo que entra em casas, escolas e mentes da população. O estudante de Jornalismo precisa ter em mente que, de certo modo, se torna responsável pela educação de um homem.
Segundo a educadora Márcia Leite, ‘educar o cidadão, hoje, não é tarefa exclusiva da família, da igreja e da escola, e sim de todas as instituições’. Cabe aos jornalistas cobrar do governo e incutir nas pessoas que elas têm o dever de exigir seus direitos.
De acordo com Gilberto Dimenstein, ‘o país não vai acabar com o grau de exclusão se todos não se sentirem educadores. É preciso protestar e cobrar das TVs, rádios e jornais que a mídia seja mais responsável. No momento em que perceberem que o leitor quer mais cobertura de educação e que o telespectador prefere assistir ao Castelo Rá-tim-bum do que ao Programa do Ratinho, os jornais e a TV vão mudar de postura’.
Contudo, o outro lado também precisa vencer preconceitos. Como educadores, precisam ensinar aos alunos – crianças, jovens ou adultos – a assimilar o conteúdo da mídia, pois tirar o cidadão desse universo midiático é algo cada vez mais improvável.
Asneiras e futilidades
Então, por que não fazer com que o aluno entre nesse universo? Em São Paulo, alguns projetos – como TV Escola e Educom.radio – permitem que os estudantes criem programas de TV e rádio. O resultado pode surpreender. As crianças passam a observar os programas com outra visão e com o tempo se tornam mais seletivas quanto ao que devem assistir.
Há bons exemplos de união entre educação e mídia que deram e dão certo. Telecurso 2000, Amigos da Escola, programas infantis como Rá-tim-bum, o extinto Bambalalão, Vila Sésamo, o canal Futura, a revista Nova Escola e tantos outros. Contabilize, por exemplo, o número de alfabetizados pelo Telecurso.
‘A história da relação dos professores com as tecnologias e com a mídia é de confronto e descrédito. Esse fato dificulta o avanço das tecnologias nos espaços educativos. Ao mesmo tempo, a mídia vê a educação como algo pobre, que não lhe deu dinheiro no passado, e por isso não investe no setor’, diz Ismar de Oliveira Soares, dirigente da cadeira de Gestão de Processos Comunicacionais na Escola de Comunicação e Artes da USP.
Enquanto gastam tempo discutindo o conteúdo dos veículos de comunicação, a população ‘emburrece’ cada vez mais, mergulhada num oceano de asneiras e futilidades.
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Estudante de Jornalismo