Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O culpado não é o mordomo. É o petróleo!

Thomas Friedman, colunista do jornalão americano The New York Times, é um cara e tanto. Ele deve se sentir como uma espécie de ‘defensor inconteste da democracia americana para o resto do mundo’, especialmente para os países do Oriente Médio. Até as denúncias das torturas de presos na prisão de Abu Graibe, no Iraque ocupado, e no campo de concentração de Guantánamo, em Cuba, por militares dos EUA, Friedman era um defensor ardoroso das invasões e ocupações militares no Afeganistão e no Iraque. Vestiu a bandeira americana depois do 11 de Setembro e, em seus textos publicados pelo NYT, procurou ajudar a administração Bush de como melhor ocupar e dominar os ‘corações e mentes’ da população iraquiana pós Saddam.

Mas, mesmo para ele, um representante do pensamento conservador e da direita americana, tudo tem algum limite. E mesmo sendo um patriótico norte-americano, não consegue mais concordar com algumas das coisas que o governo de seu país está fazendo no Oriente Médio, em especial na questão do controle geopolítico da região. Para tanto, é fundamental que o responsável pelo fracasso da empreitada americana, liderando um pool de países ocidentais ‘pró-democracia’ nos países árabes e muçulmanos, seja identificado. E não é que Friedman conseguiu! Pelo menos ele acha que conseguiu. Vejamos.

Na matéria ‘Viciados em petróleo’, publicada no jornal Folha de S. Paulo no dia 1º de fevereiro, Friedman escreve o seguinte, entre outras coisas:

Até agora a onda de democracia que a equipe de Bush vem ajudando a desencadear no mundo árabe-muçulmano desde o 11 de Setembro conduziu ao poder fundamentalistas islâmicos no Iraque, nos territórios palestinos e no Irã. Se mantivermos essa linha, dentro de alguns anos haverá clérigos muçulmanos no poder desde Marrocos até as fronteiras da Índia. Deus abençoe a América. Mas será que tudo isso é fruto da ação dos EUA? Não realmente. Na verdade, é decorrência de 50 anos de ‘petrolismo’ – política baseada no petróleo – no mundo árabe-muçulmano. O erro da equipe de Bush foi crer que poderia mudar isso – rompendo o viés autoritário do Oriente Médio sem romper a dependência do petróleo de que sofrem os EUA. Aqui reside a ilusão. No mundo árabe, petróleo e autoritarismo estão inextricavelmente interligados… Porque, no momento em que se afasta o ditador ou rei que comanda qualquer Estado do Oriente Médio, entra-se em queda livre até atingir a mesquita – como os EUA foram constatar no Iraque. Não existe nada entre o palácio governante e a mesquita. Os regimes autocráticos seculares, como os do Egito, Líbia, Síria e Iraque, jamais deixaram que nada brotasse debaixo de seus pés.

Tem mais. Leia:

A mesquita se tornou um centro de poder alternativo porque era o único lugar que a mão-de-ferro do governo não podia penetrar por completo. Como tal, tornou-se um lugar onde as pessoas podiam reunir-se livremente, incubar lideranças locais e gerar uma ideologia comum de oposição. É por isso que os islâmicos aparecem com força assim que qualquer país árabe promove eleições livres. No Egito, a Irmandade Muçulmana conquistou 20% das cadeiras; o Hamas passou de lugar nenhum à maioria governista. Em ambas as sociedades, os partidos governistas seculares – no Egito, o NDP, e no caso palestino, o Fatah – foram rejeitados, vistos como apêndices corruptos do Estado autoritário, o que de fato são. Por que não havia mais partidos oposicionistas seculares e progressistas concorrendo às eleições nesses lugares? Porque os líderes árabes não permitem que brotem partidos desse tipo. Eles preferem que a única opção que suas populações tenham seja entre os partidos estatais e os extremistas religiosos, de modo a sempre fazer com que o Estado autoritário seja visto como indispensável… No mundo árabe-muçulmano, porém, os ditadores (mulás) no Irã e os ditadores (seculares) em outros países vêm conseguindo sustentar-se no poder por muito mais tempo, sem conferir poder a suas populações porque contam com o petróleo ou seu equivalente: assistência externa maciça.

Por fim, a solução encontrada:

Vem daí a regra inescapável número dois: afastar os líderes autoritários no mundo árabe-muçulmano é necessário para a emergência de democracias estáveis nesses países, mas não é o bastante. A única coisa que vai garantir que os novos líderes permitam o surgimento de partidos políticos reais, instituições, imprensa livre e mercados competitivos é reduzir o preço do petróleo e fazer que a reforma interna se torne a única maneira de essas sociedades se conservarem. As pessoas mudam quando são obrigadas a isso, não quando lhes mandamos mudar. Se apenas afastar os ditadores, você acaba com um Irã: com mulás tomando o lugar de ditadores militares e utilizando a mesma riqueza petrolífera para conservar sua população amordaçada. Só quando o petróleo tiver voltado a custar US$ 20 o barril é que a transição de Saddam a Jefferson não irá atolar na ‘terra de Khomeini’. No Oriente Médio, petróleo e democracia não se misturam.

Incrível, esse Friedman Ou ele não conhece história ou é mais um manipulador e mentiroso, igual a grande parte da mídia americana. A questão que ele aponta e questiona não passa por mais ou menos ‘democracia à la americana’, visto ser praticamente impossível controlar o resultado de uma eleição, mesmo que parcialmente livre. Nem sempre é possível emplacar na liderança de um país ‘aliado ou ocupado’ o líder que Friedman e seus amigos de Washington gostariam que fosse. Como ele mesmo reconhece, ‘há algo de podre no reino da…’ E esse podre, segundo ele, é o preço do petróleo.

Para o espaço

Não fosse esse ‘petrolismo’, essa necessidade absurda que a sociedade capitalista tem do mais barato e abundante – até agora – insumo energético existente, talvez fosse mais fácil controlar essas nações muçulmanas e, é óbvio, controlar totalmente a fonte energética que abastece a economia dos EUA, Europa, Japão, China etc. Então é assim. Abaixa-se o preço do barril de petróleo, tornando-o mais barato e acessível às economias do Primeiro Mundo e, além de enfraquecer as lideranças religiosas-políticas do mundo árabe favorecendo a implantação da ‘democracia à la americana’, de quebra ajuda o reerguimento das combalidas economias que sem petróleo barato e abundante, podem literalmente parar de funcionar.

Como exemplo, grande parte dos fabricantes de carros americanos estarão dispensando milhares de trabalhadores em função da queda na venda dos carros ianques, verdadeiras dragas de combustível. Algumas pensam em mudar o padrão de carros, para modelos mais econômicos, mas mesmo assim, não se garante o não fechamento de fábricas espalhadas pelo território americano, e quem sabe, mundo afora. Que enrascada, não, senhor Friedman?

E assim, a manipulação das informações continua intensa e forte na mídia americana e na maioria dos países ocidentais. Talvez o maior exemplo é o que está acontecendo com o Irã. Americanos e europeus estão flexionando os músculos e ameaçando como podem o Irã. Querem porque querem que os iranianos parem de enriquecer urânio visto ser ele um dos elementos para se construir uma bomba atômica. Como o Irã – país muçulmano e não democrata segundo os conceitos de Friedman, e inimigo de Israel, por sua vez um Estado agregado aos EUA para policiar em seu nome o Oriente Médio – é um aliado da causa árabe, vale dizer também, da causa palestina: se tiver armas atômicas, o frágil equilíbrio político-militar da região vai para o espaço.

Esquema da pirâmide

E um ataque militar de qualquer país ao Irã seria como acender um fósforo num barril de petróleo. Como o petróleo e o gás, também abundantes no Irã, não estão sob controle dos países mais industrializados, e sua venda a outros países, como a Rússia e a China, está sendo feita em euro, moeda européia, e não mais em dólares, a situação fica complicada para americanos, japoneses e quem mais tem poupança e investimentos baseados na moeda americana. Na matéria ‘A Bolsa de Petróleo do Irã ameaça o dólar’, escrita por Mike Whitney, publicada pelo sítio Resistir.info, lê-se o seguinte:

A administração Bush quer a todo custo impedir que o governo iraniano abra uma bolsa que comercie o petróleo em euros. Se isto acontecer, centenas de milhares de milhões de dólares seriam despejados de volta nos Estados Unidos, esmagando a moeda verde e destruindo a sua economia. Eis porque Bush & Co. estão planejando levar o país à guerra contra o Irã. É uma defesa óbvia do atual sistema global e da continuidade do domínio da divisa de reserva, o dólar. A afirmação de que Irã está desenvolvendo armas nucleares é um mero pretexto para a guerra.

Continuando:

O NIE (National Intelligence Estimate) prevê que o Irã não será capaz de produzir ogivas por talvez uma década. Da mesma forma, Mohammed ElBaradei, responsável máximo da AIEA, já disse reiteradamente que a sua agência de vigilância não encontrou ‘qualquer evidência’ de um programa de armas nucleares. Não há armas nucleares ou programas de armas nucleares, mas os planos econômicos do Irã colocam uma ameaça à América, e não se trata de uma que possa simplesmente ser varrida para o lado como o resultado inevitável do mercado livre. A América monopoliza o comércio de petróleo. O petróleo é denominado em dólares e vendido tanto no NYMEX como no International Petrolem Exchange (IPE) de Londres, possuídos ambos pelos americanos. Isto força os bancos centrais de todo o mundo a manterem enormes stocks de dólares apesar de a moeda verde estar atualmente sob o peso de uma dívida de US$8 milhões de milhões (trillion) e apesar de a administração Bush ter dito que perpetuará os cortes fiscais que produzem défices. O monopólio americano da divisa é o perfeito esquema da pirâmide. Enquanto os países forem forçados a comprar petróleo em dólares, os Estados Unidos podem continuar os seus gastos perdulários com impunidade. (O dólar agora representa 68% das reservas globais de divisas, uma subida em relação aos 51% de uma década atrás). A única ameaça a esta estratégia é a perspectiva da competição de uma bolsa independente de petróleo, forçando o vacilante dólar a competir frente a frente com uma divisa mais estável (livre de dívidas) tal como o euro. Isto obrigaria os bancos centrais a diversificarem os seus haveres, remetendo milhares de milhões de dólares de volta à América e garantindo um ciclo devastador de hiper-inflação.

Assessoria de imprensa

Como se observa, a grande mídia americana e mundial, inclusive a brasileira, continua na toada de só divulgar informações falsas, manipulando grosseiramente os fatos. O que está acontecendo no Irã é muito semelhante ao que aconteceu nos Balcãs europeu, em 1989/1990, quando a Iugoslávia se desestruturou, ‘resultando’ na guerra entre algumas das novas nações que surgiram com o desmembramento do país. O que foi divulgado na época, de que estaria havendo um genocídio e uma limpeza étnica por parte da Sérvia em relação a albaneses e muçulmanos, numa guerra sangrenta, mostrou-se ser uma mentira, uma farsa para justificar o domínio da região pelas forças armadas americanas e européias, através da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).

O motivo foi o petróleo, o gás e os controle dos oleodutos (pipelines) que traziam esse insumo energético a europeus e americanos. Quando existia a Iugoslávia, era ela quem controlava o que saía e entrava no país. Basta olhar no mapa da região, antes e depois do desmembramento, para se entender o que aconteceu. Mentiu-se na época, assim como se mentiu para invadir e dominar o Iraque e a mentira continua para justificar medidas militares ou econômicas contra o Irã.

E, para isso, a mídia é fundamental. Criam-se falsos cenários, falsos líderes e falsos bandidos e mata-se a granel. A jornalista americana Diana Johnstone, na matéria ‘Iugoslávia, a primeira guerra da globalização’, divulgada no Resistir.info, mostra como toda essa farsa foi construída, por quem e qual a razão. Assim como na época a grande imprensa se calou, aceitando covardemente a censura, manipulando e criando falsas informações, ajudando na concretização de um verdadeiro massacre de civis por parte dos militares da Otan e dos grupos armados albaneses, estes, sim, executando um genocídio na população local, assiste-se hoje em dia à mesma farsa, às mesmas mentiras, às mesmas manipulações. O alvo é o Irã, podendo ser no futuro qualquer país do chamado ‘eixo do mal’, segundo Bush, Blair e alguns outros líderes mundiais, com ampla assessoria de imprensa de gente como Thomas Friedman e outros ‘jornalistas’.

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Jornalista