Reverências a seu empreendedorismo à parte, a pergunta escancarada pelo recém-nascido ‘The Daily’ é se a tecnologia se tornou mais importante do que o conteúdo em si.
O primeiro jornal exclusivo para iPad estreou nesta semana acompanhado da mesma dose de polêmica e empreendedorismo que permeia tudo o que o empresário Rupert Murdoch faz. Mas, após as primeiras reações positivas, no segundo dia as dúvidas pipocaram.
‘O aplicativo é uma bela execução do que pode ser uma revista em tablet e dá um passo adiante na forma como apresenta o conteúdo’, diz Michael Learmonth, repórter da publicação especializada em mídia e publicidade ‘Advertising Age’.
Já os textos e artigos, avalia, não têm o mesmo brilho. ‘Não vejo nada muito exclusivo além da apresentação. Não há reportagens que você não consiga encontrar em outros lugares.’
Um mantra do jornalismo hoje reza que para conquistar o público e fazê-lo pôr a mão no bolso -US$ 40 ao ano, no caso do ‘Daily’- é preciso ir muito além do noticiário-padrão.
O que torna a mais nova cria de Murdoch um experimento crucial é exatamente se ela vai mostrar que ‘ir além’ pode se restringir ao formato e ao meio de entregar a notícia, mais do que ao teor em si.
‘Ficou claro que a forma como se apresenta o conteúdo é uma parte importante da comunicação’, diz Learmonth, enumerando as contratações de desenvolvedores de aplicativos e programadores pelos principais veículos americanos.
Ainda assim, o fato de o ‘Daily’ dividir suas reportagens em ‘notícias’, ‘fofocas’, ‘opinião’, ‘artes’, ‘aplicativos’ e ‘esportes’ deixou analistas confusos sobre o leitor-alvo -que, na apresentação do jornal, foi definido por seus criadores como ‘todo mundo’.
Tanto em tema quanto em desenho ou linguagem, a capa de sua segunda edição mais lembrava os apelos populares do tablóide ‘New York Post’ do que as reportagens exclusivas do ‘Wall Street Journal’.
‘O ‘Daily’ ainda precisa arrumar um jeito de parecer essencial, para que quem não quiser pagar US$ 0,99 por semana para lê-lo ache que vai ficar por fora das conversas’, escreveu Josh Benton, do laboratório de jornalismo da Fundação Nieman, em Harvard.
Embora pioneiro, o ‘Daily’ terá concorrência pesada. Neste mês o ‘New York Times’ deve lançar seu pacote digital -para ser usado no iPad, no iPhone, em outros tabletes e telefones celulares e no website do jornal (coisa que o ‘Daily’ não tem).
O preço deve ser bem mais alto -a estimativa atual é US$ 240 ao ano. Mas as expectativas quanto à qualidade também são. ‘As pessoas querem notícias mais do que nunca’, afirma Learmonth. ‘A questão é que elas têm mais meios de obtê-las.’