Uma reportagem publicada na Folha de S.Paulo (27/08/2011) revelou a existência de processo judicial que tramita na Justiça Federal referente a uma aquisição de terras pelo governador de Mato Grosso. Foi determinada a busca e apreensão de documentos no Cartório de Registro de Imóveis de Peixoto de Azevedo, que provariam que a principal propriedade do governador Sinval Barbosa, uma fazenda com aproximadamente 4.200 hectares, inserida na gleba Jarinã, havia sido adquirida fraudulentamente do cacique Cirênio Reginaldo Francisco, liderança da etnia Terena.
Os Terenas, que imigraram do vizinho Mato Grosso do Sul, ficaram acampados em Rondonópolis, ocuparam várias vezes a BR 364 e que acabaram conquistando uma área de terras de cerca de 52 mil hectares, nas glebas Iriri e Jarinã no nortão. O mencionado indígena, ao ser interpelado pelos seus credores e pela justiça, negou que tivesse alienado qualquer terra, ou que tivesse participado dessa evidente maracutaia envolvendo a alienação de terras públicas.
A gleba Jarinã, para quem não sabe, é uma extensa área de terra pública de quase 400.000 hectares e foi recentemente doada pela União ao estado de Mato Grosso através do Decreto 6.888/2009, para que este promovesse regularização fundiária, assentamentos de trabalhadores sem terra. A doação, por decreto, em si já gera suspeição. Certamente nos mesmos falidos moldes patrocinados pelo Incra e programas de conservação ambiental, o referido decreto ainda exigiu que o donatário, o estado de Mato Grosso, se comprometesse a dar ao imóvel destinação compatível com o Estatuto da Terra e legislação conexa.
Conivência ou omissão
Lamentavelmente, assim como a trama noticiada pela Folha e outras tantas que provavelmente ocorreram para proporcionar condições para regularização fundiária das ilícitas ocupações nessa gleba Jarinã. Tal e qual as glebas Cristalino e Maiká, que também foram objeto de doação ao estado de Mato Grosso através da Lei 12.380/09, para encerramento de disputas judiciais que já duram mais de vinte anos.
Estas transferências de domínio da União para o Estado, tanto do governo Lula e de sua sucessora Dilma, demonstram o descompromisso desse governo com a reforma agrária e com a preservação do meio ambiente. Embora essa regularização fundiária seja necessária, resta sabida e ressabida a existência de numerosos latifúndios cujos detentores já devem ter urdido o maior de todos os laranjais para obterem a propriedade das terras que ilicitamente ocupam, nos mesmos moldes pretendidos pelo nosso esperto governador, pois certamente contaram com conivência ou a omissão do órgão de terras do estado e do Ministério Público.
Governador ou grileiro?
Embora a colaboração do estado de Mato Grosso seja necessária para possibilitar o acesso à propriedade para centenas de pequenos e médios ocupantes que necessitam urgentemente de segurança jurídica e demais benefícios que ela proporciona, ao governo Lula e o de sua sucessora Dilma, para não serem partícipes de ilegalidades e abusos como esse enfocado pela Folha, caberia o dever de considerar diversos aspectos, principalmente:
1. Que significativa parcela das mencionadas glebas está nas mãos de poderosos grileiros;
2. Que o atual governador deste estado colaborou para ilícita ocupação dessas terras públicas, além de também figurar como grileiro, como ousou denunciar o jornal;
3. A violência que vitimou e ainda vitima dezenas de famílias que ousaram desafiar os interesses dos poderosos grileiros para obterem um pedaço de terra, tais como os moradores das glebas Tupã e Santa Rita, no município de Marcelândia;
4. Todo o passivo ambiental decorrente da fracassada reforma agrária executada pelo Incra no território do estado de Mato Grosso, que poderia utilizar pelo menos as partes dessas glebas ilicitamente ocupadas pelos grileiros, como a área ocupada pelo governador, para compensar, ainda que parcialmente, o passivo ambiental sob a responsabilidade daquela autarquia, e também o passivo ambiental que é de responsabilidade da sociedade do nosso estado.
E por fim perguntar: qual a extensão do dedo sujo de Lula nesta história cabulosa e qual a diferença entre um governador enganado por um corretor e um grileiro no comando de um estado continental?
Este é um assunto do qual a grande mídia matogrossense foge como o diabo da cruz.
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[Ademar Adams é jornalista, Cuiabá, MT]