Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O desencorajamento da cidadania

Chama a atenção a nova onda de cidadania ativa que, abalando o centro do Recife, expressa a intolerância de parte do povo aos abusos vindos do poder público. Por outro lado, algo que também vem atraindo os olhares atentos da população é a atitude do Diário de Pernambuco, que trata com ódio e patente tendenciosidade as manifestações de rua ocorridas no velho centro da cidade.

Repetiu-se, na edição de 12 de janeiro, o papelão da publicação do dia 28 de dezembro, quando dedicou notícia intitulada ‘Manifestação tumultua centro’ para atacar o protesto cidadão contra o aumento de salários dos parlamentares federais e estaduais. Mas, agora, o jornal foi ainda mais enfaticamente agressivo e sensacionalista.

Na primeira página (manchete: ‘Quando o protesto sai pela culatra’) e na matéria interna (‘Mais uma vez, a cidade refém’), deu-se ênfase máxima aos engarrafamentos das avenidas Conde da Boa Vista e Cais de Santa Rita que a paralisação causou e reservou-se apenas uma descrição residual às causas e às consequências positivas do protesto. O leitor de senso crítico mais aguçado percebe que o Diário de Pernambuco desistiu de posar de mídia imparcial e passou a investir num ponto de vista tornado óbvio – a apologia da ordem sociopolítica estabelecida em detrimento da cidadania e da democracia.

Foi ainda mais longe do que os veículos integrantes do ‘PIG’, que ainda fingem imparcialidade por dar ao outro lado o direito ao gol de honra: a notícia em questão só mostrou pessoas que sofreram com os engarrafamentos. Só exibiu declarações e situações de quem discordou da manifestação. Só um lado foi mostrado. Totalmente omitidos foram os estudantes e trabalhadores que participaram do ato. E nem mesmo os transeuntes que simplesmente compreendiam a motivação do protesto tiveram voz na edição final desse DP.

Porta-voz de quem odeia a democracia

Desde a primeira página, só se mostrou o congestionamento, os carros parados, a angústia de quem perdeu o compromisso, as grandes vias paradas, o transtorno causado à cidade. Sem falar que a primeira página chama o protesto de ‘pequeno’ e diz que havia ‘poucos estudantes e militantes de esquerda’, ignorando a presença de trabalhadores sem ideologia declarada. E quase nada sobre o motivo que levou aquelas centenas de pessoas às ruas – as passagens cada vez mais caras, o transporte coletivo ineficiente e desconfortável e os interesses de quem engessa propostas como o VLT e o passe livre custeado por impostos. Zero sobre a essência democrática e constitucional do ato. Ignorou-se que o protesto de rua, aquele que causa engarrafamentos e divide opiniões, é parte dos ossos do ofício de qualquer democracia do planeta.

Esqueceu-se que para não haver protestos basta não haver opressão. Reclamou-se muito da afetação temporária do direito de ir e vir dos motoristas de carros, mas omitiu-se por completo que o mesmo direito de ir e vir de quem depende dos ônibus – pessoas muito mais necessitadas –, atacado e ameaçado permanentemente, todos os anos.

Com tamanho papelão antidemocrático, o Diário de Pernambuco reincidiu em investir contra a democracia e a cidadania ao satanizar o protesto e recusar atenção àqueles cujo grande ‘crime’ foi exercer seu direito à cidadania. O jornal segue no seu esforço de desmobilizar e despolitizar os leitores, induzindo-lhes a crença de que só basta o direito-dever da eleição para se fazer um Estado democrático. Deixa de lado quase 190 anos de credibilidade para se tornar um arauto do reacionarismo, um porta-voz de quem odeia a democracia em sua essência.

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Estudante, Recife, PE