Não. Não espere de mim eleger um vilão. É desnecessário, pois se ganha e se perde em equipe, e pronto. É comum em parte da imprensa e da torcida apontar alguém e caçá-lo porque é mais fácil dizer ‘nós perdemos por causa disso’ do que reconhecer o mérito do oponente. As individualidades falham e se alternam com incidência semelhante. Jogadores erram ao serem expulsos, ou em lances de gol, outros tantos perdem a chance de fazê-lo. O assunto aqui não é esse.
O gol de empate da Holanda, contra a Seleção, foi e é um enigma. Domingo, dia da final entre holandeses e espanhóis, o tento ‘um terço Sneijder, um terço Felipe Melo, um terço Júlio Cesar’ ainda soa como um desfecho que desconstruiu um roteiro pré-estabelecido, se é que não serviu para afirmá-lo. O gol que pareceu valer por três aflorou no discurso de torcedores, profissionais do futebol e, como sempre, de considerável porção da imprensa um déficit inerente ao brasileiro, mas que no esporte se efetiva em extremos: da derrota inexplicável à vitória inesperada.
Quem diria que em um futebol comandado pelo corpo, força física, pelo choque, a mente pudesse fazer tanta diferença. O primeiro tempo, fácil aos olhos do torcedor, teve a mesma aparência aos jogadores. O erro crucial foi aí. Iludir-se com uma etapa inicial fantasiosa foi o princípio da derrocada tupiniquim porque despreparado aquele que não antevê o revés. Quando ele vem, o inesperado transforma-se em incapacidade, visto que o preparo psicológico é que produz todas as vertentes em busca do restabelecimento.
Ilusória redenção
Mas o problema não se consumou por completo. Para a próxima Copa, há metas ainda mais prementes. Óbvio que a Seleção pode, em qualquer outra disputa, levar um gol e parar. Só que o legado do último dia 2 de julho vai se encarregar de abrir pouca margem à repetição de um erro, caso os personagens de hoje e do porvir tenham tomado nota da lição bem dada em tom laranja. A pressão de 2014 será sensivelmente maior se comparada à de uma igualdade no marcador. Nas costas dos jovens jogadores que chegarão estará a derrota de 50, o que pode converter a vibração de ser o país-sede em um novo adiamento do hexa. Surge a imprensa de novo.
A mídia esportiva carrega consigo uma característica genérica, porém com um adendo em relação às demais segmentações: a paixão. O futebol envolve a ânsia desenfreada de indivíduos inaptos a desempenhar plenamente o seu papel enquanto cidadãos e que miram o futebol como escape alternativo para triunfar e redimir-se de todas as outras fraquezas. Nesse contexto, o jornalista da área esportiva – com as bem-vindas exceções – trafega pelas extremidades do que esnoba o caráter racional. A paixão desconhece a ponderação, levando ao erro de se empolgar ou reprovar com a rapidez que sucumbe aos critérios de apuração e informação de qualidade, independente se convém ao veículo ou não.
No Brasil, daqui a quatro anos, o papo reincidente será, repete-se, vender o produto Copa ao telespectador, profissionais da imprensa – mas nem todos – sendo mais animadores do que meios de informação, botando o dedo em um passado de revés integralmente desvinculado dos atletas de agora e da ampla maioria dos torcedores. A derrota para o Uruguai em 50, de virada, no jogo derradeiro, quando a Seleção poderia até empatar para ir à desforra, será a 65ª partida do próximo mundial. Além de indevida, a ilusória redenção será uma sombra. Triunfar em 2014 não apagará a perda de 1950.
Excessos são descartáveis
Eis a preparação psicológica para o próximo Mundial. Não só para evitar que um gol desmonte o time, mas para não tomar a si um resultado de que não participou. Se o foco for saliente, a Seleção irá perder outra vez. Embora deva evitar o palavreado premeditado, é bom que se diga, o jornalismo não joga, e driblar impertinências como esta é palpável. Por isso, o objetivo não será exorcizar fantasma algum – ah, a expressão será recorrente –, mas sim, atuar em uma Copa cujas diferenças drásticas, em relação a meados do século passado, serão evidentes. O passado ainda fresco deve, claro, ser olhado para não se repetirem deslizes. Porém, ancorar-se em histórias longínquas com o intuito de bani-las é erro estratégico. Bem ou mal, 1950 escreveu um legado, deu ao Brasil a ânsia de vencer, fato que se consumou oito ano depois com irreverência e arte.
Antes de promover o espetáculo, o papel da imprensa é fornecer ao público o que possui teor informativo. Os meios são uma extensão da sociedade, levando as demandas sociais a todas esferas e atividades do país – e destas, o jornalismo se incumbe de peneirar o fato para compor a notícia e dá-la ao público. Isso e tão somente isso. Para a exaltação não virar pessimismo em velocidade aterradora, que o jornalismo se atenha ao seu papel e evite vincular 64 anos de intervalo. Sim, a mídia não é decisiva para ganhar ou perder. Dirigente escolhe técnico e técnico convoca jogador, todos em sintonia de dedicação e qualidade. Mas os excessos de cá e de lá são descartáveis.
******
Jornalista e professor universitário, Alto Araguaia, MT