“Até quando, Catilina, abusarás da nossa paciência? Por quanto tempo ainda hás de zombar de nós nessa tua loucura? A que extremos se há de precipitar a tua audácia sem freio? Nem a guarda do Palatino, nem a ronda noturna da cidade, nem os temores do povo, nem a afluência de todos os homens de bem, nem este local tão bem protegido para a reunião do Senado, nem o olhar e o aspecto destes senadores, nada disto conseguiu perturbar-te? Não sentes que os teus planos estão à vista de todos?”
Assim principia um dos mais famosos discursos de Cícero perante o Senado romano, contra Catilina e sua conspiração. Uma peça de acusação que – para além do brilho oratório – traz em si a essência dos valores republicanos pela admoestação ao comportamento público no Senado e em Roma.
Ao lembrar essa passagem das “Catilinárias”, não se pode deixar de comparar com o recente comportamento do senador Roberto Requião (PMDB/PR) ao usurpar, de modo violento, o gravador de um jornalista, durante entrevista no Senado Federal, simplesmente porque ficou irritado com algumas perguntas acerca da aposentadoria que recebe como ex-governador de estado. Arvorando-se em furioso censor, arrancou das mãos do profissional de imprensa seu instrumento de trabalho.
Seria esse o bom exemplo de um senador da República no recinto do Senado? Não deveria esse tipo de ato constituir-se em pedagogia pública a nortear o espírito republicano com vistas a ensinar a juventude e a nação sobre o comportamento de seus representantes? Transparência e dignidade, bem como muito de decoro parlamentar, seriam suficientes. As virtudes cívicas, para além de crenças e ideais, materializam-se em atitudes.
O manto para a justificativa do arbítrio
O vil comportamento do senador, covarde e truculento na forma, não choca tanto pela agressividade do ato mas pelo significado do gesto.
Falou alto o mais absoluto desprezo que o indigitado senador, aliás como muitos políticos neste país, têm pela opinião pública e o exercício da liberdade de imprensa, demonstrando, quotidianamente, o quanto lhes falta cultura política e respeito às liberdades públicas.
Liberdade de imprensa, que é o pilar constitucional erigido contra o arbítrio e o exercício espúrio do poder e suas consequentes benesses, parece valer para uma classe de políticos quando os favorece. Alguns têm ouvidos para o elogio de seus atos ou quando se repercute a grandiosidade de suas realizações. Do contrário, atiram-se a uma ira desenfreada e desmedida quando a crítica lhes acossa os flancos, transparecendo ao público suas mazelas e mesquinharias recônditas.
Infelizmente, as imunidades parlamentares são o manto de que se valem políticos insensatos para a justificativa da covardia e do arbítrio. E, ao contrário de Catilina, que foi declarado inimigo público do Senado e de Roma, por aqui tudo continuará como se nada tivesse acontecido.
Perde com isso a liberdade, a democracia e a credibilidade do povo nos seus representantes.
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Professor universitário e advogado