Na manhã de segunda-feira (4/1), as dezenas de postagens no YouTube referentes aos comentários que o apresentador Boris Casoy inadvertidamente fez sobre os garis no Jornal da Band já haviam sido vistas quase 1,2 milhão de vezes. A mais assistida estava na casa de 850 mil hits.
Se alguém ainda não sabe, o noticioso levou ao ar saudações de Ano Novo de dois simpáticos garis: um senhor branco já com cabelos brancos e um negro na faixa de 40 anos. Causaram ótima impressão, com seu ar digno e uma alegria que não parecia forçada. Depois, enquanto eram exibidas vinhetas, ouviu-se a voz de Casoy no fundo, comentando com a equipe:
‘Que merda! Dois lixeiros desejando felicidades do alto das suas vassouras… dois lixeiros… o mais baixo da escala de trabalho!’
No dia seguinte Casoy pediu ‘profundas desculpas aos garis e aos telespetadores da Band’ pelo que escutaram em razão de um ‘vazamento de áudio’ (na verdade, só ouviram isso porque ele disse…). Fê-lo, entretanto, de maneira burocrática e pouco convincente, não aparentando estar nem um pouco arrependido do desprezo aristocrático que manifestou pelos trabalhadores humildes. As postagens relativas no YouTube não somavam hoje nem 100 mil exibições.
Lembrei-me da rainha Maria Antonieta recomendando aos pobres que, se não tinham pães, que comessem bolos. Perdeu a cabeça. Casoy teve mais sorte, só quebrou a cara…
Fiquei matutando sobre o destino e seus contrapesos. Às vezes a mesma pessoa é brindada com a sorte grande num momento e tira o azar grande adiante. Ou vice-versa.
Casoy é elitista, racista, conservador e reacionário desde muito cedo. Um velho companheiro que com ele cursou Direito no Mackenzie me contou: aos 23 anos, Casoy era um dos líderes da ala jovem do Comando de Caça aos Comunistas, que tinha nessa faculdade um de seus focos principais.
Mais: nos idos de 1964, Casoy chegou a ser citado em reportagem da revista Cruzeiro como membro destacado da juventude anticomunista.
A quartelada o beneficiou, claro: foi homem de imprensa de um ministro do governo Médici e do secretário da Agricultura de São, Herbert Levy, outra figurinha carimbada da direita. Mas, nem tinha texto de qualidade superior, nem era uma figura agradável na telinha, portanto estava direcionado para uma carreira mediana no jornalismo, não fosse uma moeda que caiu em pé.
Sete anos
Isto aconteceu quando o comando do II Exército aproveitou uma frase imprudente do cronista Lourenço Diaféria (sobre mendigos urinarem na estátua de Caxias) para intervir na Folha de S.Paulo.
Os militares exigiram a destituição do diretor de redação Cláudio Abramo (trotskista histórico), o afastamento de alguns profissionais (demitidos ou realocados) e o abrandamento da linha editorial.
O proprietário Octávio Frias de Oliveira, que sempre se definiu como comerciante e não jornalista, negociou. Servil, aceitou até substituir Abramo por um homem de absoluta confiança do regime militar: Casoy, que editava a coluna ‘Painel’ (sobre os bastidores políticos), então um espaço dos mais secundários no jornal.
Igualmente secundário era Casoy para os leitores da Folha e para os próprios militantes/simpatizantes da esquerda. Suas posições fascistóides eram ignoradas pela maioria.
Aí, como diretor de Redação, calhou de ser ele o principal defensor do jornal num episódio de reação à censura. Ou seja, sob palco iluminado, o lobo teve seu momento de cordeiro, o caçador de comunistas maquilou sua imagem para a de defensor da liberdade de expressão.
Sua carreira deslanchou. Depois de comandar a redação da Folha por sete anos (saiu para dar lugar ao filho do patrão), voltou a editar a coluna ‘Painel’, cuja importância crescera nesse ínterim. Finalmente, tornou-se conhecido pelo grande público como apresentador do Telejornal Brasil, do SBT, entre 1988 e 1997.
Justiça divina
Novamente os fados o bafejaram. Numa emissora que investia pouco em jornalismo e não tinha reportagens para mostrar que, quantitativa e qualitativamente, chegassem nem perto das exibidas pela Rede Globo, o jeito foi deixar crescer o espaço do apresentador.
Casoy pôde, assim, atuar como um âncora à moda dos EUA, fazendo comentários catárticos sobre episódios de corrupção política (principalmente) que eram concluídos com um ou outro de seus bordões habituais: ‘Isto é uma vergonha!’ é ‘É preciso passar o Brasil a limpo!’.
Ou seja, para telespectadores da classe ‘C’ e ‘D’, ele passou a personificar o justiceiro que atirava a verdade na cara dos poderosos. É um público que, em sua ingenuidade, valoriza desmesuradamente essa justiça retórica e ilusória, sem perceber que, depois do desabafo, continua tudo na mesma…
Assim, por novo golpe do destino, um comunicador azedo conquistou a simpatia dos pobres e dos muito pobres, ao expressar seu inconformismo impotente face às agruras que os atingem e eles são incapazes de compreender em toda sua extensão.
É fácil canalizar seu justo ressentimento contra os políticos desonestos. Tanto quanto é conveniente, para os poderosos, mantê-los na ignorância de que o maior vilão em suas sofridas existências atende pelo nome de capitalismo.
Servindo tão bem os interesses do sistema, Casoy atravessou as duas últimas décadas como um aclamado populista televisivo de direita.
Só teve alguns percalços ao exagerar na dose contra o governo Lula, mas seus pés de barro continuaram, tanto quanto possível, ignorados pelo grande público. Agora, um acaso revelou ao Brasil inteiro que indivíduo insensível e preconceituoso é, na verdade, Boris Casoy.
Alguns viram este episódio como um exemplo da justiça divina em ação. Quem sabe?
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