Enquanto maços de dinheiro transitam por bolsos, meias e cuecas no Distrito Federal, o mundo hoje se organiza para dizer não à corrupção.
O Dia Internacional Contra a Corrupção é comemorado em 9 de dezembro como referência à assinatura da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, por mais de 110 países, ocorrida neste mesmo dia, em 2003, no México.
Estima-se que, a cada ano, mais de um trilhão de dólares são destinados a pagar subornos de todos os tipos mundo afora. Mas o trilhão estimado é incapaz de contabilizar os custos políticos e sociais da corrupção, que em muito extrapolam esta cifra. Trata-se de um fenômeno que não apenas distorce os mercados e inibe investimentos, como debilita a democracia, enfraquece o Estado de direito, deteriora a qualidade dos serviços públicos e promove o crime organizado.
A data vem para problematizar tais questões e transmitir o mote de que, no combate à corrupção, ‘cada não conta’.
A Convenção da ONU contra a Corrupção, da qual o Brasil é signatário, é o mais completo e abrangente instrumento internacional juridicamente vinculante no combate ao problema. Ao definir a criminalização de atividades como o suborno e a lavagem de dinheiro, o documento enterra em definitivo a ultrapassada visão de que a corrupção poderia de alguma forma ser uma ‘graxa’ necessária para ‘azeitar’ as engrenagens da máquina pública.
Voto e confiança nas instituições
A UNCAC possibilita que cada país se organize, tipifique atos de corrupção e coopere internacionalmente para rastrear e recuperar bens desviados, compondo uma reação global ao problema. O caráter cooperativo faz-se necessário na medida em que as próprias redes de corrupção se internacionalizam. A intensificação do fluxo de capitais financeiros no mundo globalizado facilitou a lavagem dos recursos oriundos de arranjos corruptos enquanto dificultou a fiscalização dos mesmos por cada Estado-nação, colocando o combate à corrupção como um desafio central a todo sistema político da comunidade global. Analogamente, a crescente visibilidade e a multiplicidade de escândalos de corrupção, nas últimas décadas, mesmo em democracias consolidadas, introduziu o tema de modo inexorável na agenda internacional da boa governança.
Mas, a menos que os governos a implementem, e que o setor privado, a sociedade civil e a mídia se engajem, a Convenção não passará de um pedaço de papel dentre os tantos que já marcam o descolamento, tão incomodamente familiar ao Brasil, entre o formalismo legal e a realidade social.
Os limites do comportamento dos cidadãos e de seus representantes são em grande parte moldados pela percepção de quão sérias são as regras em vigor e também de quão elevadas são as chances de punição em caso de transgressão das mesmas. Assim, no Brasil, onde há tal coisa como ‘leis que pegam’ e outras que não, um elevado grau de indulgência pública para com transgressões, é tão esperado, quanto preocupante. A intensa e constante convivência com a corrupção tende a afetar a relação dos cidadãos com sua cidadania e seu governo, provocando desconfiança e desapreço dos mesmos com relação a instituições representativas fundamentais ao sistema democrático, como o Congresso e os partidos. Aspectos como estes são especialmente preocupantes porque tendem a constituir condições férteis para a ascensão de lideranças e regimes mais autoritários.
Ao corroer instituições representativas e violar mecanismos de responsividade e de responsabilização dos governos, a corrupção lesa tanto a qualidade quanto a legitimidade do regime. O apoio dos cidadãos é considerado particularmente central na democracia porque, nesta, a aquiescência dos mesmos às decisões que afetam a coletividade não depende de coerção autoritária, nem de predestinação divina, mas da legitimação através do voto e da confiança nas instituições, nos atores e no processo político.
Reformas político-eleitorais
Enquanto os olhares da imprensa mundial durante a semana se lançam a Copenhague para acompanhar a Conferência Climática, este dia 9 vem ainda nos lembrar de que também o combate à corrupção é alicerce fundamental para o desenvolvimento sustentável. Corrupção ameaça a estabilidade macroeconômica e afugenta investimento externo, desvia recursos que poderiam ser destinados a projetos de infraestrutura e à prestação de serviços básicos, alimentando a desigualdade, dificultando a redução da pobreza e prejudicando o desempenho econômico – fatores que somam obstáculos ao desenvolvimento de uma nação.
No Brasil, o Dia Internacional Contra a Corrupção será marcado por um evento em Brasília, organizado pela Controladoria-Geral da União e pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), ao qual prometem presença: o presidente Lula, a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, o ministro-chefe da CGU, Jorge Hage, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes e o presidente do Tribunal de Contas da União, Ubiratan Aguiar, entre outros.
Devem compor a pauta do encontro algumas questões centrais à eficiência e eficácia do enfrentamento à corrupção no Brasil, como os debates acerca de uma reforma processual para reduzir a impunidade brasileira através da limitação de recursos e incidentes protelatórios na Justiça; e ainda, a discussão de reformas político-eleitorais, como as que regulamentam a elegibilidade e o modelo de financiamento de campanhas.
No dia em que o mundo diz não à corrupção, é importante acompanharmos o que dirão nossos representantes, sobre assuntos como esses.
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Cientista política, São Paulo, SP